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15/02/2010 - 12h02

Futebol ganha espaço na literatura, no cinema e na música; leia trecho

da Folha Online

Divulgação
José Geraldo Couto fala sobre o futebol brasileiro nos dias de hoje
José Geraldo Couto fala sobre o futebol brasileiro nos dias de hoje

O futebol é, talvez, um dos temas mais populares entre os brasileiros. O fascínio pelo esporte é tanto que, muitas vezes, os campos, os clássicos, as rivalidades e até as peladas descompromissadas servem de inspiração para filmes, músicas e livros.

No livro "Futebol Brasileiro Hoje", parte da coleção "Folha Explica", o jornalista e colunista da Folha José Geraldo Couto fala sobre a condição atual da modalidade esportiva no país nos dias de hoje.

O autor aborda a exportação de craques para o exterior, a atuação das mulheres nos gramados, a inserção do esporte dentro da cultura popular do país e sua relação com os impasses mais profundos da sociedade, entre outros assuntos.

A influência do futebol no cinema, na literatura e na música, é claro, não poderia ficar de fora do leque de tópicos que o livro se propõe a discutir. Leia abaixo um trecho da publicação em que José Geraldo Couto fala da modalidade fora dos gramados.

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LETRA, MÚSICA E IMAGEM - O FUTEBOL EM TODA PARTE

O futebol impregna de tal maneira o cotidiano e o imaginário dos brasileiros que não é de admirar que ele esteja presente de alguma maneira em todas as nossas formas de expressão cultural, das mais eruditas às mais populares.

Na universidade, onde foi ignorado ou menosprezado durante décadas como assunto menor, o futebol ganha cada vez mais status de objeto sério de estudo em suas interfaces com a antropologia, a história, a sociologia, a comunicação, a psicanálise, a filosofia.

Na literatura de ficção, apesar de queixa de Nelson Rodrigues - "Em toda a literatura brasileira não há um único personagem que saiba bater um escanteio" -, o futebol tem aparecido de modo pontual pelo menos desde os contos de Brás, Bexiga e Barra Funda (1928), de Antônio de Alcântara Machado.

Ironicamente, o próprio Nelson Rodrigues, que escreveu extraordinárias crônicas de futebol, tampouco tem um grande personagem futebolista em sua obra teatral ou romanesca. O futebol aparece com frequência em sua literatura, mas sempre de forma acessória ou circunstancial.

São de fato raros os romances que têm o futebol como assunto ou ambiente. Os dois mais notáveis são Água-Mãe (1941), de José Lins do Rego, e A Saída do Primeiro Tempo (1978), de Renato Pompeu, dois escritores profundamente ligados ao futebol: José Lins, flamenguista fanático, chegou a ser dirigente do clube carioca, e Renato Pompeu publicou, entre outros livros, Memórias de Uma Bola de Futebol e um perfil do jogador Canhoteiro.

Cabe lembrar, de passagem, que alguns grandes escritores brasileiros lamentaram ou repudiaram a introdução do futebol entre nós. Para Graciliano Ramos, tratava-se de uma moda importada que não tinha a ver com nossas tradições populares e, portanto, "não pegaria". Lima Barreto, que chegou a promover uma Liga Brasileira Contra o Futebol, considerava "o tal jogo de pontapés" um signo de regressão à barbárie.

Os poetas têm sido mais sensíveis que os romancistas aos apelos da bola. De Oswald de Andrade a Haroldo de Campos, passando por Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, foram muitos os autores de primeira linha que cantaram o jogo e suas dimensões de festa, tragédia ou epopeia.

Também nas telas de cinema o futebol tem dado as caras, mas com menos frequência do que se poderia esperar quando se leva em conta a importância do assunto para a maioria dos brasileiros. Com exceção dos documentários, em geral dedicados a craques como Pelé, Garrincha, Tostão, Zico e Ademir da Guia ou a grandes clubes, o cinema brasileiro até agora explorou timidamente esse universo, em comparação, por exemplo, com o que os norte-americanos fizeram com o boxe e o beisebol.

Contam-se nos dedos os filmes de ficção protagonizados por jogadores ou ambientados no mundo futebolístico. Merecem menção, entre eles, O Corintiano (Milton Amaral, 1966), protagonizado por Mazzaropi, Asa Branca, um Sonho Brasileiro (Djalma Limongi Batista, 1981), Boleiros 1 e 2 (Ugo Giorgetti, 1998 e 2006), O Casamento de Romeu e Julieta (Bruno Barreto, 2004) e Linha de Passe (Walter Salles e Daniela Thomas, 2008). Por enquanto são poucos os personagens do cinema brasileiro que sabem bater um escanteio.

Foi, evidentemente, na música popular que o futebol encontrou uma interlocução mais íntima e permanente, quase uma simbiose. Há referências ao esporte em letras de música já nos anos 20, mas é na década seguinte que o futebol começa a aparecer com frequência em canções, sambas e marchinhas de Lamartine Babo, Ary Barroso, Wilson Batista, Noel Rosa e Haroldo Barbosa, entre outros.

Lamartine Babo chegou a compor os hinos dos seis clubes mais importantes do Rio de Janeiro em sua época, incluindo o do América, seu time de coração. Diz a lenda que ele teria composto todos os seis hinos numa única noite de 1949.

Outros compositores especialmente ligados ao futebol visitaram o tem várias vezes em suas canções. É o caso de Chico Buarque - que tem um time de "peladas", o Politheama, e costuma jogar regularmente - e, sobretudo, de Jorge Bem Jor, que na juventude sonhou em ser futebolista profissional.

Se no samba "O Futebol" Chico Buarque elevou seu tema à categoria de grande arte que conversa em pé de igualdade com as outras formas de expressão estética (música, poesia, dança, teatro, artes plásticas_, Jorge Bem Jor compões um clássico absoluto do gênero, "Fio Maravilha", em homenagem a um atacante do Flamengo dos anos 70. Com sua meldia sinuosa, seu ritmo gingante, a canção mimetiza em sua própria textura e andamento o lance que sua letra descreve, um "gol de placa" em que o jogador "tabelou, driblou dois zagueiros, deu um toque, driblou o goleiro" e "só não entrou com bola e tudo porque teve humildade em gol". Futebol e samba, uma dobradinha decantada desde os estudos clássicos de Gilberto Freyre, finalmente se fundem, são uma coisa só.

Ao que parece, a marcha "Chiribiri Quaquá", composta por Ary Barroso e Nássara em 1936, foi a primeira canção a usar o jargão futebolístico para falar de um caso amoroso, inaugurando uma longa tradição que viria até João Bosco e Aldir Blanc ("Gol Anulado") e Djavan, que canta, na romântica "Se": "Insiste em zero a zero e eu quero um a um".

Isso nos leva a um tema que daria pano para muitas mangas: a incorporação, na fala cotidiana, de termos e expressões oriundos do futebol. Trata-se de uma vida de mão dupla, pois do mesmo modo que usamos, muitas vezes sem perceber, frases saídas do campo de jogo ("Fulana me botou para escanteio", "o funcionário Beltrano está na marca do pênalti", "agora embolou o meio de campo", "dei uma bola fora"), o próprio futebol e expressões como "folha seca", "carrinho", "chapéu", "meia-lua", "peixinho", "ponte", "chuveirinho" e incontáveis outras.

Como indica essa incessante troca lingüística, o futebol não é algo que se desenvolve à margem da vida social, num compartimento estanque, mas sim uma espécie de magma ou de fluido que a invade por todos os poros. Não estava muito longe da verdade quem disse que, no Brasil, o futebol não é apenas uma das coisas importantes da vida - é a própria vida.

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"Futebol Brasileiro Hoje"
Autor: José Geraldo Couto
Editora: Publifolha
Páginas: 104
Quanto: R$ 18,90
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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