Reuters
04/09/2002 - 15h45

As lembranças do 11 de setembro de Pinochet

da Reuters, em Santiago

Naquela manhã, um ataque aéreo devastou um símbolo urbano e ecoou por todo o mundo. O edifício destruído era cenário de um dramático suicídio, e cerca de 3.000 pessoas morreram em consequência dessa ação ordenada por um indivíduo considerado hoje sinônimo de violência e extremismo. Era 11 de setembro de 1973.

Por uma macabra coincidência, o aniversário dos ataques ao World Trade Center, em Nova York, e ao Pentágono, nas cercanias de Washington,
acontece junto com o do golpe de Estado que levou o general Augusto Pinochet ao poder no Chile, 28 anos antes.

Naquele 11 de setembro, as tropas de Pinochet destruíram o Palácio de la Moneda, no centro de Santiago, para derrubar o presidente socialista Salvador Allende, eleito quatro anos antes. Cercado, Allende preferiu se matar a se entregar.

O golpe ainda é uma ferida aberta no Chile, hoje um dos países mais estáveis da América Latina.

"Foi um momento trágico na história do Chile. O 11 de setembro de 1973 marcou o fim do sistema democrático que tínhamos e o começo de um período muito obscuro. Dividiu e deixou cicatrizes em todos nós", disse o atual presidente, o também socialista Ricardo Lagos.

O golpe de Pinochet teve um impacto global muito mais reduzido do que os atentados de 2001, mas serviu para elevar a tensão da Guerra Fria. A então União Soviética acusou a CIA de articular o golpe. Allende se tornou um mártir para a esquerda mundial, e Pinochet consolidou-se, durante 17 anos, como o arquétipo do tirano latino.

Suicídio
"A cronologia do calendário é uma coisa, os eventos históricos são outra. Não há como associar o 11 de setembro dos EUA com o 11 de setembro do Chile", disse Cristian Labbe, prefeito direitista de Santiago e um dos melhores amigos de Pinochet.

Numa operação cuidadosamente preparada, Pinochet, então comandante do Exército, enviou caças Hawker para bombardear La Moneda. Allende permaneceu no segundo andar, com um grupo de 30 guarda-costas e simpatizantes.

Após várias horas de bombardeio, Allende determinou que todos saíssem. Ele seria o último. Quando já estava sozinho, sentou-se em um sofá do Salão Vermelho do palácio e disparou contra si mesmo.

"Estávamos descendo as escadas, apanhando nas costas com o cabo dos rifles dos soldados e então ouvimos um disparo próximo. Alguém gritou: 'O presidente está morto'", contou Arturo Girón, médico de Allende.

Admitindo o suicídio, Girón afasta definitivamente a suspeita de que os militares teriam assassinado Allende, tese hoje amplamente rejeitada.

Os militares mataram 3.000 supostos opositores de Pinochet, a maioria nas semanas que se seguiram ao golpe. Só mil corpos foram achados. Ainda hoje há protestos exigindo uma resposta sobre os desaparecidos.

Em 1999, documentos norte-americanos revelaram que os EUA patrocinaram a oposição a Allende, embora não haja provas de envolvimento direto de Washington no golpe.

"Os mesmos Estados Unidos que agora promovem a guerra contra o terrorismo internacional, como bem sabemos, foram os que apoiaram a equipe flagrantemente terrorista que perpetrou o 11 de setembro no Chile", diz Marc Cooper, um conhecido jornalista norte-americano de esquerda que foi tradutor de Allende.

"Acho que ter vivido o 11 de setembro no Chile me fez mais generoso e cheio de compaixão com a dor que os norte-americanos sentiram neste 11 de setembro", disse Cooper, que hoje vive na Califórnia.

Avenida
A maioria dos chilenos se lembra com horror desse tempo, mas um número considerável vê a data com orgulho. Tanto que, na década de 1970, uma rua de um bairro rico da capital recebeu esse nome.

Hoje, a avenida 11 de Setembro, com 1,6 quilômetro de bancos, lojas e arranha-céus de vidro, é um símbolo do boom econômico do Chile nos últimos 15 anos, quando Pinochet chamou economistas norte-americanos para implantar um programa neoliberal que resultou em taxas de crescimento de até 7%.

Os conservadores chilenos, que formam 40% do eleitorado, dizem que Pinochet trocou as greves, racionamentos e expropriações do governo Allende por um período de prosperidade.

"Apoiei Pinochet e ainda concordo com o que ele fez", diz a secretária Marcia Manzano, 42, enquanto almoça em uma lanchonete da avenida. "Havia mais estabilidade naquela época, menos crime e menos desemprego."

O prefeito Labbe diz que há críticas ao nome da avenida, mas por causa de sua alusão ao golpe de 1973, não aos atentados de 2001.

Assim como deve acontecer neste ano nos Estados Unidos, o 11 de setembro costuma ser bastante lembrado no Chile, só que com manifestações da esquerda.

Em aniversários anteriores, ativistas de direitos humanos costumavam lançar bonecos em tamanho natural no rio Mapocho, para lembrar os desaparecidos.

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