Treinamento Folha   Folha Online
   
Educação
24/06/2005

Íntegra de entrevista: Ana Spilack

Ana Spilack, 40 anos, engenheira química, estudou em escola pública até o 3º ano e foi para a FEI em São Bernardo (paga). Tem 4 filhos - o mais velho, de 16 anos, estuda em escola pública (2º ano do ensino médio da E.E. Alves Cruz, em Pinheiros). Ela faz parte da APM (Associação de Pais e Mestres da escola). A outra, de 13 anos, estuda no Sesi da Vila Leopoldina e as menores, de 3 e 5, em uma escola particular na Lapa (Colégio Heitor Garcia).

Como você vê a situação da escola de seu filho?

A Alves Cruz é uma escola diferenciada. Infelizmente não teve uma boa direção desde a entrada do diretor Wilson Pedrosa, que já se retirou. Desde então outros já passaram pela escola. A escola conta com o apoio da ONG Fênix, que é uma organização formada por ex-alunos que estão em boa situação hoje em dia. Tem vários projetos dentro da escola para quem quiser se dedicar na parte da tarde, já que não tem aula nesse horário. Eles oferecem oficinas na parte da tarde para as crianças. De rádio, de música...

Não só a ONG atua, como a APM (Associação de Pais e Mestres da escola), da qual faço parte. Além disso há dois projetos na escola durante o final de semana pelo governo do Estado e a Escola da Família. Então a escola tem tudo para ser diferenciada e mesmo assim enfrenta uma série de problemas. Os que eu vejo são o seguinte: professores em final de carreira, faltando pouco tempo para se aposentar e estão na escola. Às vezes o trabalho deles deixa a desejar, não há muita cobrança. E eles têm uma corrente em que um não pode falar do outro. A escola é meio como política. Todo mundo sabe de mim e eu também tenho um pouco para falar de você. Esta direção que está lá está tentando mudar a situação, e muita gente está se sentindo incomodada, mas o que ocorre normalmente dentro de uma escola pública é isso. O patrão está muito longe, tenho a impressão de que quem é o meu chefe não é o meu chefe. É uma pessoa igual a mim, só tem um cargo diferenciado. Vejo que não há disciplina. Na escola pública você faz o que quer. Se você é cobrado dá um jeitinho e deixa para lá., não leva muito a sério. Os professores são até bons, mas eles escolhem a escola por estarem em final de carreira, pela escola ser bem posicionada, em um lugar bom e região privilegiada. Acho que eles fazem pouco pelos alunos. Eles ainda olham os alunos da escola pública como coitadinhos, e isso não é a realidade. Eu sempre apoio as coisas em que meu filho e muitos outros lá estão envolvidos.

Você acha que seu filho está aprendendo na escola pública?

Meu filho também é um caso diferenciado. Acho que a formação de um aluno não depende mais somente da escola. Na minha casa ele tem acesso a revistas, jornal , internet, o que ele quiser. O que ele sabe muitas vezes é mais do que o que o professor tem a passa em sala de aula. Se ele questiona demais o professor, ele não consegue acompanhá-lo. Ou por desconhecimento, porque de repente não teve acesso à informação. Então eu acho que o meu filho se desenvolve sem a escola. Até porque quando ele estava no Sesi era a mesma coisa. Ele está nessa escola há dois anos. Fez todo o ensino no Sesi. Ele é diferenciado pois se faz por si. Ele não tem problemas com a escola. Participei bastante no ano passado por conta da direção e enfrentava muita pressão, tinha exposições de idéias completamente contrárias do que eu achava. Mas eu não tinha medo de que meu filho sofresse qualquer tipo de revanche, pois ele sempre ficou na dele, nunca deu trabalho, sempre se saiu bem, é atuante e participativo. Está tentando agora se eleger para o grêmio da escola, e eu tinha certeza que nada retornaria para ele pois ele não é um menino problema. Então eu tinha essa liberdade de dizer o que eu achava na escola, pois sabia que não viria problema para ele. Mas também ai dele se ele sair da linha pois educação é dada por pai e mãe. Vivemos dizendo a ele que ele tem que tirar o máximo do mínimo que o Estado oferece a ele.

Se você me pergunta se eu acho que meu filho se desenvolve com o que a escola dá a ele eu digo que não. Acho que o que salva as escolas são as oficinas. Isto os alunos aproveitam muito. Já o que eles fazem em sala de aula... Hoje mesmo conversei com meu filho e ele me disseque tem professores bons e ruins. Para você ter uma idéia, a professora de inglês dele escreveu "neste momento" na lousa como se fosse "next moment". Quando ele corrigiu ela, ela desconversou. É muito deficitário o que o professor oferece. Mas eu também sei que o que eles ganham não dá. O meu marido diz que se você se propôe a fazer pelo que estão lhe pagando, você tem por obrigação moral fazer o melhor. Mas reconhecemos que o que o professor ganha é um valor muito pequeno. Tudo isso influencia. Boa parte dos professores acaba indo para escola particular, pois serão muito melhor remunerados, cobrados, tanto pelos pais e até mesmo pelos alunos e direção.

Você pensa em colocar suas outras filhas em escola pública?

Eu não sei. Hoje não posso disponibilizar R$ 600 para a mensalidade de apenas um filho. Fiquei muito na dúvida se deveria colocá-lo ou não na escola pública. Mas quem decidiu ir para essa escola foi ele mesmo. Eu não moro em Pinheiros, moro na Freguesia, mas por ele saber do que das oficinas que a escola oferece, ele quis vir para essa escola. Eu ainda não sei o que será das meninas, elas caminham bem nessa escola. Por mim elas continuariam nessa escola, pois gosto muito dela.

Soluções para a escola pública

É difícil responder. Mas acho que a escola pública precisa de uma boa direção. Uma direção transparente, que não tenha nenhuma cordinha amarrando a ninguém, para que possa atuar e cobrar realmente dos professores. Para os alunos também terem disciplina. Lá eu sinto que eles ficam muito à vontade. Acho que alguns professores não respeitam. Para você ter uma idéia, meu filho usa cabelo comprido e começou a namorar uma menina no ano passado e a professora de educação física virou para a menina e disse que tinhavisto duas meninas se beijarem no portão. Meu marido ficou muito chateado e foi tirar satisfação. É essencial que os professores também tenham disciplina para poder passar para os alunos. Vi uma reportagem outro dia que há uma grande maioria da escola pública que também faz faculdade pública. A única diferença é que eles não conseguem chegar aos melhores cursos, de medicina, engenharia, publicidade... eles não conseguem pois estes cursos exigem um pouco mais de conhecimento e estudo.

Sem a consciência dos pais e sem uma boa direção, a escola pública não vai sair do buraco. Tem uma mãe de um amigo de meu filho, que por um acaso é professora dentro da escola, e ela me diz que se preocupa, pois quer saber de onde vem as informações, tem que avisar, mas a maioria lá os pais não querem saber. Isso também deixa a escola pública ao Deus dará. Os alunos pensam que podem fazer o que for pois o painão vai reclamar, se o pai for à escola é capaz de defender o professor e não o aluno.
BLOG

BATE-PAPO PRÊMIOS ESPECIAL
Patrocínio

Content on this page requires a newer version of Adobe Flash Player.

Get Adobe Flash player


Philip Morris
AMBEV


Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).