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Educação
24/06/2005

Íntegra de entrevista: Newton Lima Neto

Newton Lima Neto, 52, é prefeito de São Carlos (SP) e coor­denador de educação da Frente Nacio­nal de Prefeitos. Estudou em escola pri­vada e pública.

No final de 2002, o presidente Lula já eleito, o senhor já coordenador de educação, escreveu na Folha que a situação da educação no país era dramática. A situação persiste?

Newton: Do ponto de vista estrutural, sim; embora, e os indicadores todos que o MEC vem levantando, com as avaliações do Enem, Saeb, todos os mecanismos mostram que há um problema grave de qualidade. Eu apontava isso naquela oportunidade --o que até o final do governo FHC se conseguiu foi quase universalizar o ensino fundamental. Avanço, sem dúvida; mas a qualidade deixava muito a desejar. E eu sempre disse, e repito, que enquanto nós não passássemos a um outro patamar de investimento na educação, nós não resolveríamos o problema da qualidade. E o segundo problema, que é a universalização da educação básica como um todo --observe que naquela oportunidade eu falava três coisas: qualidade da educação, universalização da básica, portanto dos 4 anos de idade até o final do Ensino Médio e eu falava da necessidade da expansão das vagas na universidade. Nós apontávamos que havia um Plano Nacional de Educação, aprovado pelo Congresso Nacional, que dizia que o Brasil tinha que ter um conjunto de ações até o final da primeira década do novo século, de modo a poder superar essas dificuldades. E aí voltando ao início da minha fala, eu dizia que sem ampliar os investimentos, e nós colocamos isso no programa de governo e da transição, sem aumentar os investimentos do patamar de 4,5% do PIB, nós não resolveríamos esse conjunto de questões. Entao, embora o quadro continue dramático, do ponto de vista da qualidade, a gente consegue nesses dois anos ver um conjunto de ações na área educacional, que vão surtir efeito mais para a frente. Então vamos começar, vamos pegar o ensino superior, vamos descer em vez de subir. O Prouni, com as 200 mil vagas criadas e a ampliação de campus universitários e de universidades públicas que o governo federal está preparando e que o governo Lula quer que aconteça e que está acontecendo, o ministro Tarso Genro está fazendo o caminho dessa ampliação extraordinária. Observe que nós estamos colhendo ainda, e isso nós vamos fazer daqui a cinco anos, a gente continua ainda com níveis de porcentagem de jovens de 18 a 24 anos no ensino superior, em relação ao universo de jovens brasileiros, ainda 1/3 da Argentina. Nós estamos com 11% de jovens nessa faixa etária no ensino superior, a Argentina tem 30%. Então esse dado persiste, porque vai se colher mais adiante, mas o Prouni, associado à expansão da universidade pública, acaba por dar esperanças concretas de que nós vamos ampliar significativamente o número de oportunidades para que os jovens brasileiros possam fazer ensino superior. Então são duas medidas concretas, nós não estamos falando mais de programa de ação. Inclusive, a Universidade Federal do ABC, sua proposta programática vai ser anunciada na próxima semana, no dia 16.

E como esse investimento na universidade vai refletir no ensino básico?

É, além de se mirar ampliar nossa quantidade de jovens para cumprir o PNE, para iniciar a segunda década desse século com, senão os 30% de jovens no Ensino Superior, mais um número muito maior que os atuais 11%, mirando essa meta, é preciso considerar também que a universalização do ensino fundamental, que já foi feita no governo anterior, empurra necessariamente um conjunto de jovens, e é bom que seja assim, para o Ensino Médio. E ao empurrar para o Ensino Médio, obviamente, amplia-se a necessidade de a gente precisar ampliar o Ensino Superior e pós-médio, não necessariamente só as universidades. Num conjunto de oportunidades importantes podem e devem ser criadas sobretudo nos cursos de curta duração. Nós estamos discutindo aqui hoje, em São Carlos, que são os programas do Cefet para oferecer pós-médio, ou seja, um superior mais curto, pois nós precisamos rapidamente de profissionais nesse novo momento do desenvolvimento, por exemplo aqui, da indústria aeronáutica. Respondendo a sua pergunta, além de mirar a meta do plano de educação, a gente tá mirando também o fato de que, se não expandir, nós vamos ter a volta dos movimentos dos anos 60, quando se lutava pela expansão de vagas, pela abertura que o regime militar acabou fazendo, que é o grande momento, o grande boom de criação das várias universidades porque havia um contingente de pessoas que não tinham a oportunidade de estudar no Brasil.

Sob o ponto de vista da educação básica, o ensino médio precisa e deve ser expandido, o que está a cargo dos governos estaduais, que não estão conseguindo dar conta. E o governo federal está socorrendo vários estados para poder ajudar a ampliar e manter a educação média e profissional. Por isso, essa é uma das grandes e urgentes razões que leva à transformação do Fundef em Fundeb, cujo projeto vai ser apresentado no próximo dia 14/6. Dia 14 vai ser enviada ao Congresso a PEC, que faz a alteração do Fundef para o Fundeb. Vamos lembrar que o Fundef termina no final deste ano, então ou se prorroga por mais algum tempo o Fundef, ou a gente faz a transformação, que estava no programa de governo que nós coordenamos, de transformar o Fundef em Fundeb. E uma das razões é que os governos estaduais não têm capacidade, na sua expressiva maioria, não têm fundos, não têm recursos, já aplicando aquilo que a Constituição determina, que são os 25%, eles não conseguem expandir a educação média para os valores que estão hoje projetados.

Aí vamos descendo na escala de instrução formal, chegamos ao tema, vou pular a qualidade fundamental e vou para a outra ponta, que é o nosso interesse como prefeitos, que é a educação infantil de 4 a 6. Ao tomar a idéia, amplamente defensável, positiva, de ampliar o ensino fundamental para 9 anos, a gente tá trabalhando para aquilo que o programa de governo falava para que todas as crianças de 4 anos de idade têm que ter vaga assegurada na escola. Então a escolaridade já vai passar obrigatoriamente pra 9. Então a gente tá ampliando a possibilidade da criança a partir dos 6 anos de idade ter a vaga garantida. Se nós conseguirmos aprovar o Fundeb, o que vai acontecer? Vai ter um fundo nacional para apoiar também os municípios a abrirem o pré-escolar, ou o 4 a 5 daí, porque o 6 já vai estar obrigatório. A gente falava 4 a 6, mas já vai ter que mudar o discurso, é 4 a 5. Então precisamos que os municípios sejam dotados de recursos suficientes para desenvolver as suas redes de ensino fundamental, quando existem, e a maioria dos municípios têm responsabilidades com o ensino fundamental, alguns mais, outros menos, Belo Horizonte muito, aqui menos -- o Estado de São Paulo, pelo menos aqui em São Carlos, a responsabilidade do ensino fundamental é mais do governo do Estado e menos do município, mas também o município participa. Mas além disso, dotar os municípios da condição de poderem e deverem cuidar das crianças de 4 a 5 anos, ampliando e universalizando. Essa é uma meta que eu tenho como prefeito, até o final do meu segundo mandato, todas as crianças ao fazer 4 anos de idade, entrem na escola. Pode ser em dezembro, mas ela entra na escola. É uma coisa que tem na Holanda, que eu fico apaixonado como educador, eu acho uma coisa extraordinária, a mãe sabe que a criança, no dia seguinte ao aniversário, o Estado holandês garante para ela uma vaga. E a gente tem que fazer isso no Brasil em algum momento. Sem Fundeb não faz, porque os municípios não têm capacidade, pela distribuição hoje...porque na verdade o Fundeb, era legal que vocês vissem por esse ângulo, é um pedaço da reforma tributária. Porque um novo pacto federativo de distribuição da receita nacional....

O Fundeb vai levar à elevação no valor do PIB gasto na educação?

Exatamente, por quê? Aí que tem a questão fundamental, uma diferença grande do governo Lula em relação ao governo FHC. Quando o governo FHC põe o Fundef, ele não põe dinheiro praticamente. É só uma redistribuição...quatro ou cinco estados recebiam um pouco de dinheiro do governo federal. Esse recurso é da ordem de 3% da cesta total envolvida no Fundef como um todo, 3% que o governo federal punha. Nós não estamos falando mais disso, nós estamos falando agora no governo Lula ir crescendo e colocar um aporte de R$4 bilhões a mais na cesta do Fundeb. Porque só redistribuir os recursos nos Estados e municípios não dá conta, não vai dar conta, porque o Fundef já está esgotado, tanto é que quatro ou cinco estados brasileiros ainda hoje precisam do socorro do governo federal, que só entra com a distribuição contábil do processo, mas não com dinheiro de verdade. O projeto Fundeb, e nós estamos defendendo inclusive, e agora eu falo como Frente Nacional de Prefeitos, é um projeto revolucionário porque o governo federal começa a ampliar com dinheiro o volume de recursos aplicados na educação, o que vai certamente ampliar para mais de 5% do PIB a quantidade de recursos que a educação vai receber no Brasil a partir do novo governo.

Você chegou a colocar, não me recordo agora se no programa ou num artigo que seria ideal elevar esse valor para 7% do PIB...

Até o final da década. Essa é uma discussão que o Congresso Nacional fez, e o Fernando Henrique vetou. Quando o Congresso Nacional apreciou a proposta do PNE, havia uma clara concepção e foi o Nelson Marchezan que foi o relator, que coordenou os trabalhos, que se nós não fizéssemos uma elevação para 7%, nós não teríamos condições de responder a esse conjunto de questões --faltou a gente falar do assunto qualidade, que é o último braço do tripé que a gente falava. Mas observe, que o Fernando Henrique não ousou naquele momento, ele preferiu vetar o artigo do plano e nós ficamos no limbo. Havia uma argumentação do ministro Paulo Renato, que o problema do Brasil não era dinheiro para a educação, era a má gestão dos recursos para a educação, que era suficiente --ele falava em 5% do PIB, o que nunca foi alcançado na verdade-- e que o ensino superior estava levando muito. Um debate que nós nunca gostamos de fazer de contraposição de recursos para universidade federal versus recursos para apoio aos municípios e estados para melhorar a qualidade educacional. Porque é errado, na verdade a educação tem que ser compreendida pelo seu volume, e é preciso admitir de cara limpa que o Brasil investe pouco para o tamanho das suas pretensões, das suas dimensões etc. e tal.

Então a meta tá no programa, não é uma meta para esse governo, é uma meta decenal, ela é uma meta e eu continuo dizendo, se a gente não começar a segunda década com números próximos de 7% do PIB em educação, nós vamos ter dificuldades importantes, nós vamos continuar colhendo esses resultados dos exames de avaliação, que mostram que nossos alunos têm dificuldades importantes de aprender. E aí a gente pode fazer o gancho com a qualidade; e a qualidade, sem professor bem remunerado --hoje nós temos um patamar mínimo no Brasil como um todo-- e sem professor permanentemente capacitado, nós não vamos ter qualidade.

Uma das propostas do programa de governo era criar um piso salarial para os professores. Isso está sendo desenvolvido?

Isso está sendo trabalhado dentro do Fundeb. Tá sendo pensado no âmbito do Fundeb. Eu não vi o texto final ainda. Nós estamos aqui a 10 dias do conhecimento público do documento que vai tratar do tema, mas a idéia do piso sempre esteve colocada, inclusive do valor por aluno que vai ser estabelecido. Então, oxalá a gente tenha essa questão contemplada também-- porque professor bem remunerado é um investimento do país. Qualquer país que fez revolução educacional, os asiáticos em particular, apostaram que o professor tem que ser um profissional muito bem remunerado e permanentemente qualificado. Isso vai justamente fazer aquele laço de ligação entre o terceiro grau e o ensino fundamental. Por isso que é bobagem contrapor um ao outro. Se você não tiver uma universidade forte, de qualidade, você não tem o instrumento principal de capacitação dos professores do básico. Uma coisa absolutamente óbvia. Se você forma maus profissionais, eu falava à época, e quero repetir, um estudo que muito me marcou foi da Sociedade Brasileira de Matemática, quando ela fez análise das notas dos professores que estavam dando aulas para os nossos filhos. Tinha professores dando aula que não conseguiam acertar uma questão de trigonometria, uma questão de matemática em dez, o que mostrava que o curso superior que eles fizeram, não os formou adequadamente para formar as nossas crianças. Nós precisamos cortar esse ciclo vicioso.

Porque o drama é que o curso de formação de professores, como não exige equipamento, laboratórios, ele é barato para as faculdades mercantilistas, que acabam formando professores que vão parar na rede pública, onde estão os piores salários.

Isso mesmo, você matou a charada aí. A expansão desordenada da educação superior privada no Brasil que os governos anteriores promoveram, ela criou um tal grau de descontrole do Estado, que se formavam, tem as situações que todos conhecemos de analfabetos cursando universidade. Isso ali é o retrato triste dessa realidade, a conseqüência da inconseqüência com que se tratou o ensino superior no Brasil, em que o Estado se retira e permite de uma maneira absolutamente desbragada, solta, não-fiscalizada, com o cartório que virou o Conselho Federal de Educação aprovando de maneira, na minha opinião, absolutamente irresponsável. E aí o que acontece? Você forma maus profissionais, que não têm outra coisa a fazer senão dar aula na rede do ensino básico e aí é um ciclo realmente pernicioso que precisa ser rompido, melhorando a qualidade do ensino superior e evidentemente valorizando mais a profissão do professor na educação básica do país. Se a gente não conseguir resolver esse assunto, nós não vamos resolver a qualidade. E aí vai ser uma frustração pra nós, pra esse governo....

Hoje, o que seria uma boa remuneração para um professor?

Não sei te dizer, eu tô voltado hoje, meus olhos, a gente tá fazendo uma reforma inclusive aqui da nossa rede, o estatuto do educador, que está em discussão, e eu vou aumentar, vou melhorar, mas....hoje ganha um professor 20 horas, 1.500. Teve um reajuste, eu não lembro, mas a gente tem uma remuneração bastante razoável, quando comparada, mas é óbvio que do ponto de vista absoluto, ela sempre vai deixar a desejar. E eu quero, nós estamos trabalhando aqui em São Carlos para chegar a 30% do orçamento aplicado à educação. Eu quero chegar a isso exatamente para remunerar meus professores -- eu quero ter um padrão de qualidade com um ponto fora da curva do país , até pela obrigação que eu tenho como educador e como gestor na área. Mas os dados o Décio te complementa e passa para vocês. Hoje nós estamos com...quando eu cheguei eram 22,5%. Nós estamos hoje com 27%, já caminhando para 30 no final do meu mandato. Quer dizer, o que a Constituição determina é 25. A prefeitura aqui aplicava menos de 25. Uma das razões pelas quais as contas do ex-prefeito não foram aprovadas. Mas eu venho aplicando mais que 25 desde o primeiro ano, mas já passamos dos 27 e vamos caminhando para os 30. E exatamente eu preciso caminhar para os 30 para remunerar melhor meus professores, que comparativamente, eu quero insistir, eles tem uma razoável remuneração. A nossa escola é de boa qualidade, eu gosto muito dos resultados que a gente tem na escola pública municipal, aliás a população briga para ter mais escolas municipais porque sabe da qualidade da municipal, que faz uma comparação dura com a estadual. A rede estadual no nosso Estado é uma calamidade, do ponto de vista do aprendizado, tirando excessões clássicas, mas de uma maneira geral. De qualquer maneira, o estatuto do magistério está em discussão, nós vamos aprovar este ano na Câmara municipal e aplicar a paritr do próximo ano. E aí nós teremos um mecanismo não só remuneratório melhor, mas um mecanismo de promoção que leve em conta aquilo que eu acho que é fundamental, que é a capacitação permante dos professores.

No início a gente começou falando do drama da educação. Você acha que com o Fundeb caminha-se para resolver esse drama? Porque tem uma citação sua que o drama da educação é aparentemente sem saída, que o governo Lula pode diminuir esse drama, mas não pode acabar...

Por causa do passivo, porque não é em quatro anos, porque seria irresponsável, eu não gosto muito das falas que de uma maneira geral os políticos usam, sempre na idéia de que as coisas possam, os políticos, nós, passamos de uma maneira geral, uma falsa esperança para a população quando a gente promete resolver as coisas. No caso do programa de governo, nós fizemos com muito pé no chão. O Palocci coordenava o programa como um todo, eu estava na área da educação, ciência e tecnologia. E o tempo todo o Palocci nos cobrava que nós fizéssemos coisas que fossem exeqüíveis. E imaginando que o período de governo, no Brasil de quatro anos, é muito difícil de governar. Esse sistema não funciona quem quer que esteja no poder. A herança é uma herança muito pesada, os índices- nós não vamos mudar a educação em um estalar de dedos. Então, o Fundeb é um instrumento concreto. O que é legal dessa nossa entrevista hoje, passados dois anos e meio, é que nós não estamos falando mais de intenções, nós estamos falando em coisas concretas. Daqui a dez dias nós vamos ter o Fundeb. É claro que o Fundeb, talvez, o texto que vai para o Congresso eventualmente não responda àquilo que eu imaginava que devesse responder...

Você não tem idéia, por que esse texto não foi feito a partir de discussões?

Foi, com todas as entidades, com a Frente Nacional, com a Undime...eu participei inclusive, pela Frente, eu coordeno o grupo de educação da Frente Nacional de Prefeitos e nós fizemos, éramos eu, o prefeito de Salvador, Imbassahy, a prefeita de Palmas, até o final do ano passado, os dois não são mais prefeitos, hoje nós recompusemos o nosso time e vamos analisar, estamos esperando o texto final. Porque, porque o texto final responde às questões internas de governo --aí já é Fazenda, Planejamento, Educação, Casa Civil que vão dar o texto final. Aí o que se espera é que ele não venha a nos assustar, que ele venha na verdade a apresentar, por exemplo, a fórmula de composição da cesta, que não pegue os recursos próprios, por exemplo, dos municípios, porque você tiraria dos municípios a possibilidade de completar, além do Fundeb, com seus recursos próprios, dar ênfases específicas que cada cidade necessita em função da sua situação. É um exemplo de uma coisa que eu estou esperando para ver como vai ficar no texto final. Esse volume de dinheiro a mais, esse aporte, os R$ 4,5 bilhões que o Tarso vem reivindicando para que em 5 anos se amplie o volume de dinheiro colocado pra educação brasileira, vamos ver como vai ficar no texto. Mas de qualquer maneira, não há dúvida que nós estamos tratando de medidas concretas, talvez não suficientes, dada a situação econômica do país, dado o terrível endividamento que foi herdado...Por isso eu não gosto de ilusão, venda de ilusão é assim: como é que você pode, de uma maneira geral, imaginar que ou alguém falar, mas a cautela que a gente tem que ter como político é saber que nós estamos num país que sofreu um processo agudo de endividamento e um processo agudo de venda do seu patrimônio. Nós estamos hoje praticamente descapitalizados, então estamos numa situação muito difícil hoje do ponto de vista de onde buscar dinheiro para as demandas de todos os lugares. Então eu respondo assim, com clareza: talvez não sejam medidas suficientes, mas elas serão necessárias para começar a mudar o panorama da educação no país.

Quais são as garantias que a gente têm que esse aporte a mais de dinheiro trará qualidade?

Porque ele deve provocar uma melhoria nas condições da formação dos profissionais, que é um ponto central que está associado ao Fundeb que o ministro lançou como projeto. Aí usar todos os meios possíveis, inclusive eletrônicos --educação a distância, educação presencial, envolver as universidades de uma maneira muito mais agressiva do que elas vêm participando hoje em matéria de programa de capacitação, mas muito mais....porue qualidade dentro da sala de aula depende da qualidade do professor e da remuneração do professor. Não adianta escapar dessa conversa, se não não vamos a lugar nenhum. Profissionalizar o professor no sentido de dar a ele as condições adequadas, bom preparo e bom salário. Aí nós vamos melhorar, aí nós vamos longe. Então tendo aporte de recurso novo, o programa vai estar sustentado, na possibilidade concreta de se fazer aquilo que o país precisa: capacitar e melhor remunerar os seus professores.

Mas não é estranho o país falar que onde arranjar dinheiro para atender demandas da educação quando a gente está falando que o país está cumprindo metas de superávit além das exigidas?

Essa é uma discussão de fundo que nós estamos vivendo hoje no país. Na verdade, cumprir o que o ministro Palocci coloca, que cumprir metas acima dos limites exigidos é uma fórmula de evitar os erros do passado, onde se fazia a seguinte operação: você economizava para pagar a dívida, a hora que melhorava um pouquinho a economia, você gastava demais, e pronto, aumentava a dívida de novo. É o que ele chama de modelo anticíclico. Tem, evidentemente, as dificuldades que hoje nós temos em todas as áreas. É uma tese que o governo federal está adotando na área econômica e que na verdade acabaria por jogar por terra as ações no campo social, se não houvesse medidas como essa do Fundeb. Então, eu não vejo contradição, a menos que, quero insistir, o texto não traga aquilo que a gente espera. Se não trouxer, aí fica a contradição estabelecida. Nós não vamos conseguir resolver o problema educacional, eu serei o primeiro a falar isso, eu não posso deixar de falar isso. Eu não vejo a hora de sair o texto até para escrever alguma coisa, eu tenho responsabilidade sobre isso. Até agora não fiz, porque eu estava aguardando que essas negociações pudessem ser coroadas de êxito. Como o Lula nos disse, aqui em São Carlos também, que vai garantir os R$ 4,5 milhões, eu fiquei feliz que, a despeito do superávit primário, esteja ele no limite ou acima do limite, nós vamos ter a garantia que o volume de recursos para a implantação do Fundeb vai estar dada.

Prefeito, você falou que em quatro anos não é possível resolver o problema da educação, então eu posso crer que a continuidade é importante. Houve uma mudança de ministro no governo Lula. Houve uma mudança de rumo também? A gente pode continuar a acreditar que o que está escrito no programa é o que vocês estão seguindo ainda?

Houve mudança de ministro; não houve mudança de rumo. O que aconteceu, primeiro momento acho que o ministro Cristóvam preparou o caminho, preparou os projetos a partir do programa de governo, colocou idéias em discussão na sociedade, começou a fazer os estudos. E num segundo momento, o ministro Tarso, a partir daí, impulsionou, aumentou, digamos assim, o giro do motor. A ponto, que insisto, nós temos hoje coisas já concretas aprovadas pelo Congresso Nacional, como é o caso do Prouni, como é o caso das cotas, se você observar. Quer dizer, o programa de governo de educação está sendo materializado na exata medida das condições políticas e econômicas que o país pegou. Não tem mágica. Tem que ir fazendo.

Pode ser apenas uma percepção, mas o que se nota é que o ministro Tarso tem um envolvimento maior com universidade que o ministro Cristóvam, que estava mais preocupado com a educação básica.

Eu acho que não. Essa percepção eu não concordaria. Nem de um lado, nem do outro. É claro que o discurso do ministro Cristóvam estava mais carregado nessa área, porque o nosso programa de governo colocava muita ênfase nisso. Mas eu não concordaria, porque ele foi reitor da UnB, sabe perfeitamente da importância da expansão. Estava no horizonte dele. Tanto que quando ele veio aqui em São Carlos, eu fiz esse discurso ontem aqui, ele falou que apoiaria a criação do curso de medicina dentro de um programa de expansão do ensino superior público no Brasil. O que o Tarso faz, na verdade, o Tarso mostra, o programa é o mesmo, a ênfase em todas essas coisas que nós falamos, na minha opinião, é a mesma, mas ele tem uma pegada administrativa, de gestão, diferente. Quer dizer, o Cristóvam é mais pensador, mais idealizador, grande criador e um quadro indispensável para nós. O Tarso entrou, curiosamente com uma experiência de gestor público, não educador do ponto de vista clássico, sem ser professor, mas deu um ritmo administrativo, uma questão de gestão. Mas na verdade ele pegou os projetos que estavam sendo, bolou outros projetos, o Prouni não estava no programa. É uma invenção do nosso ministro Tarso Genro. Ela é curiosa, porque nós falávamos no programa de governo em aumentar a participação dos alunos pobres dentro das universidades privadas, o Lula sempre falava dos filhos dos peão que pagavam muito para estudar. Quando ele nos deu essa tarefa, qual foi a nossa saída? Ampliar o Fies, para os níveis que o Congresso havia colocado no PNE, acho que 390 mil oportunidades, mas nós colocávamos também uma bolsa para o aluno do ensino superior para que ele fizesse um trabalho comunitário e recebesse o recurso para que ele pudesse pagar seus ensinos numa universidade privada. O Tarso, em vez de criar o programa da bolsa universitária para contratar os jovens, ele faz dois movimentos; um, a Escola de Fábrica, que inclusive também está para ser lançada, em que vários estudantes, aí do Ensino Médio na verdade, vão complementar os seus estudos dentro das fábricas. É uma experiência alemã, uma experiência que o Rio Grande do Sul já tem, que eu particularmente gosto bastante, mas não é para a universidade. Mas, ao invés da bolsa universitária, ele faz o seguinte momento: bom, se o SUS credencia instituições particulares e os leitos das instituições particulares estão à disposição da população, vamos fazer isso nas escolas privadas também comprando vagas para colocar à disposição da população mais pobre, mais carente, mais humilde. Eu acho isso fantástico, criou 200 mil vagas, as pessoas podem ir à escola, que tão lá, são cadeiras ociosas, as cadeiras estão lá e por intermédio do mecanismo da subvenção de impostos, o país acaba entre aspas colocando essas cadeiras à disposição.

Prefeito, só uma dúvida aqui. O setor privado do ensino superior era um setor que estava chegando à estagnação --falou-se de 30% de vagas ociosas. Então é um projeto que também vem, em parte, a ajudar esse setor que se descontrolou, cresceu de maneira absurda e tem qualidade ruim. Então abrir vagas também nesse setor que não tem qualidade, quais vão ser os critérios? Quais universidades vão abrir vagas? Só as boas?

O Prouni é muito rigoroso nisso. As universidades têm que aderir e têm que receber avaliação dentro dos critérios estabelecidos do programa, senão você estaria de fato estimulando a baixa qualidade de ensino, que várias instituições não estatais têm. Eu particularmente acho que precisamos ser mais rigorosos, separar o joio do trigo. Eu sempre falei isso, inclusive, para o setor privado. O setor privado estava padecendo, por causa da inadimplência grande, por causa do descontrole com que foi feita a abertura das vagas, autorizações assim aos borbotões, para responder uma demanda social, mas sem a preocupação da fiscalização da qualidade, e aí o que aconteceu? Ficava todo mundo com a idéia que o instituto privado é uma porcaria, quando não é verdade, tem instituições seríssimas e de altíssima qualidade. Não falamos isso, mas o nosso Provão mudou. O exame de avaliação continua, melhorando o provão, é o que aconteceu. Então eu estou muito, como coordenador do projeto, muito feliz porque nós começamos no ano passado o Enade. E aí, o Enade incorpora aquilo que o programa de governo fala: tem as provas, com outros critérios, mas tem uma avaliação mais consistente do programa como um todo. Acho que aí nós avançamos da linha da qualidade, e a partir da qualidade, garantida pelo Estado, eu espero mais rigor. Fechar a espelunca mesmo; senão a gente não dá resposta à sociedade e permite a continuação de um apátrido estelionato educacional superior que nós vivemos nas duas décadas passadas.

Um dos projetos que constam no programa de educação seria instituir o Sistema de Educação para coordenar...

É, isso não avançou. Não foi adiante, e eu não sei porquê, porque é muito importante, porque faz parte do pacto federativo, que a gente fala tanto. Eu falo até como gestor municipal. A constituição brasileira estabeleceu que deveria haver um conjunto de regras posteriores que estabelecesse com clareza quais são as obrigações de um e outro ente federativo e como isso se integra num sistema. O sistema de saúde avançou, nós estamos num sistema único de saúde no Brasil, que com todas as deficiências que têm, certamente é um avanço extraordinário, porque oportuniza de uma maneira universal a possibilidade do acesso à saúde pública, tratamento, enfim. E nós hoje não temos isso na educação de modo claro, o único ato, só para não dizer que não aconteceu nada, é uma coisa positiva que aconteceu, mas não na linha do sistema. Claro que o Fundeb concorre nessa direção, claro que uma medida que foi, por exemplo o presidente Lula sancionou uma lei que resolve o problema do transporte escolar, que só os municípios pagavam a conta, hoje os governadores pagam também, então tá um pouco na linha de uma melhor definição de responsabilidades de financiamento na educação, mas a idéia de um sistema como um todo, integrado, de fato ainda não se construiu.

O senhor em 1994, 1995 fez uma pergunta, e eu vou lhe devolver a mesma pergunta que você fez no texto. A arrecadação atual é insuficiente para se colocar à disposição da população uma educação pública de qualidade?

Hoje? Não. Arrecadação? Eu acho que o problema não é na arrecadação, é na utilização da arrecadação. O que talvez eu quisesse dizer é a porcentagem do PIB nacional, da riqueza nacional que vai para a educação. Eu jamais propus a ampliação de pagamento de impostos. Eu não acho que a sociedade agüente mais ampliação do pagamento de impostos, embora no Brasil não seja, como se fala, uma das maiores do mundo. Nós vimos a movimentação da 232 e vimos como uma coisa justa na sua essência, não havia clima para isso, até porque o país não devolve, como os países europeus, a qualidade dos serviços. Então eu repetiria que provavelmente, essa idéia que me persegue, que mais do que isso, que eu persigo, que a gente tenha no Brasil uma ampliação significativa dos recursos para a educação. Senão, não vamos responder aos dramas educacionais aos quais a gente se referiu.

Qual é a sua opinião sobre a escola rural no Brasil?

A escola rural, no Brasil, ela acompanha o êxodo que o país vem experimentando do campo para a cidade. Evidentemente, a partir do momento que você tem uma migração das pessoas para os centros urbanos, você acaba debilitando de tal maneira as populações rurais, que acabou de uma maneira acompanhando a escolaridade ou a preocupação da escola rural. Na verdade, hoje, é um grande problema para os remanescentes, mas aqui por exemplo nós resolvemos a questão não com a ampliação das escolas rurais, mas com a criação de mecanismos para trazer as pessoas da área rural para dentro dos sistemas instalados. Uma coisa que eu particularmente gosto, que o presidente Lula fez, é essa retomada do Projeto Rondon com outro nome que não me perguntem agora, que é essa idéia de pôr os jovens universitários para levar conhecimento de nível superior, de apoiar as comunidades. De alguma maneira, não responde a sua pergunta sobre o desenvolvimento da escola rural, mas responde a uma preocupação de que as populações remanescentes sejam assistidas, não estejam apartadas do desenvolvimento, do conhecimento, daquilo que pode melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Você falou que no meio desse imenso texto do Fundeb vai ser apresentado, você vê possibilidade de sofrer algum retrocesso principalmente pela força que as entidades particulares têm no Congresso agora? Fala-se de um lobby da educação privada de ensino médio no congresso. Você vê essa possibilidade de alguns entraves?

Não, porque o Fundeb é só público. O Fundeb não trata do tema do ensino privado médio, ele trata de dizer o seguinte: para ajudar os governos estaduais a responder pelo ensino público médio, é preciso pôr dinheiro. E como vai compor a cesta para que na divisão, na partilha em cada Estado com o apoio do governo federal, com aporte de recurso novo, como é que se promove a expansão com qualidade do ensino médio público no Brasil. Eu particularmente nunca ouvi falar de um lobby das instituições privadas no nível médio.

Em relação ao que vocês projetaram e o que está sendo feito, você está satisfeito com o que foi feito até agora?

Tô, tô. Eu tô satisfeito e não é uma satisfação só, vã, de entusiasmo por um governo petista, por ser um político do meu partido, mas porque eu estou como educador, como militante da educação pública gratuita durante muitos anos, na qualidade de reitor, na qualidade de presidente do sindicato nacional, a Andes, como presidente da Andifes, associação nacional dos reitores da federal. Então, toda essa minha trajetória na educação, ela apontava para as questões que estão no programa de governo e considero que, dentro da realidade nacional o que a gente está fazendo é de muito fôlego. Eu estou bastante entusiasmado, eu estou torcendo, eu não me canso de parabenizar o ministro Tarso Genro por tudo aquilo que ele vem conseguindo fazer do ponto de vista de implementação do programa de governo. E é concreto. Vamos voltar ao início da nossa conversa. É legal esse trabalho de você, dois anos e meio depois de o início de um programa, porque dá para fazer um balanço. E esse balanço para mim é bastante positivo.

E quais são as falhas?

Falhas...eu não sei se falhas, porque nenhum projeto que foi encaminhado contraria princípios históricos do próprio movimento, do partido da aliança ou fere o programa de governo. Então não tem uma falha, a menos que nossas propostas não estejam boas. A questão mais polêmica é a questão das cotas. Com coragem, o presidente Lula assumiu. Ele entende, como eu entendo, que enquanto a gente não construir um mecanimso e dê igualdade de condições para que os jovens entrem nas universidades --e aí as cotas podem acabar-- é preciso dar um suporte para, de alguma maneira, terminar o apartheid social e racial que existia e existe. Então eu passei a defender essa tese que no passado eu não assim enxergava. Eu achei que o instrumento do regime de cotas precisa ser entendido como temporário, mas absolutamente eficaz. Essa é uma polêmica que existe. Eu não gostaria de falar de falhas porque não vejo nenhuma, do ponto de vista estrutural. O que certamente existe é uma ansiedade nossa, como educador, de que se tenha um ritmo de concretude do programa de governo o mais intenso possível. Acontece que a realidade política brasileira é essa, se o Congresso não votar, talvez nós não tenhamos Fundeb. Então as contingências politicas e econômicas balizam a colocação em prática de um programa de governo. E eu julgo que, a despeito das dificuldades econômicas e a despeito das dificuldades políticas, nós estamos com muita eficiência pondo o programa de governo, que a população aprovou, ao votar no presidente Lula, na prática.

A escola de fábrica tem alguma previsão de lançamento?

Vai ser anunciada dentro de dez dias. Tem até data já o programa de São Paulo. Nós vamos entrar com três fábricas aqui em São Paulo, eu estou muito entusiasmado com isso. Quando eu visitei a Alemanha, a parte importante da educação profissional, tem sala de aula dentro da fábrica e o governo paga parte desses custos. É um dos pontos positivos do governo Lula porque fracassou o Primeiro Emprego, porque as empresas não se entusiasmaram, porque a mão-de-obra não era qualificada. Esse aqui é qualificador, tem pacote de recursos.
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