São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2002
 

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Memória torna crônico o sofrimento

JOÃO ALEXANDRE PESCHANSKI
DA EQUIPE DE TRAINEES

Apesar de geralmente ser associada a aspectos físicos, a causa das dores crônicas é outra. Segundo o ex-presidente da Sofred (sigla em francês para Sociedade Francófona para o Estudo da Dor) Bernard Calvino, 63, o que as produz é a memória da dor.

Toda vez que alguma forma de informação (um tapa, por exemplo) incide sobre o sistema nervoso, deixa nele alguma marca.
No caso das dores crônicas, a experiência prolongada de uma lesão (como as ocasionadas por má postura, por exemplo) transforma o sistema nervoso de tal modo que, mesmo com a cura da causa inicial, o estímulo doloroso pode permanecer.

Isso ocorre porque a dor é tão intensa que ela deixa de ser um simples sintoma e se transforma num estímulo crônico, que não precisa de uma nova experiência para ser criado. De acordo com Calvino, ainda não se sabe quais são as razões que originam "essa perversão do sistema nervoso".

Para o pesquisador da Escola de Medicina da Universidade Harvard (EUA) Clifford Woolf, 49, os mecanismos que originam e mantêm a memória da dor são cada vez mais estudados e compreendidos. Na década de 80, foram descobertas as moléculas que dão origem ao fenômeno.

As dores pós-operatórias oferecem um bom exemplo de memória da dor. Segundo dados da USP, entre 40% e 60% dos pacientes submetidos a cirurgias desenvolvem dores crônicas.

No momento da cirurgia, a dor é bloqueada pelo uso de anestésicos. Mas a lesão (o corte de um músculo, por exemplo) produz um sinal que estimula, nos neurônios, a memória da dor momentaneamente inibida.

O sistema nervoso capta e armazena a manifestação dolorosa. Com o fim do efeito da anestesia, a memória, originada da lesão inicial, agrava e prolonga a dor.

Neste início de ano, pesquisadores de Harvard publicaram um artigo na revista americana "The Journal of Neuroscience" em que detalharam o funcionamento das moléculas relacionadas à aparição de dores crônicas. Concluíram que, além de serem guardiões da memória da dor, elas agravam o sofrimento físico.

Tratamento

De acordo com o neurobiologista Clifford Woolf, "a descoberta da relação entre memória e dor abriu uma nova fase nas pesquisas científicas".
Em 1999, Woolf conseguiu bloquear em ratos as moléculas que regulam a memória da dor. Injetou-se nas cobaias substância de efeito analgésico, chamada capsaicina, presente em várias espécies de pimenta.
Mas, segundo Woolf, as drogas usadas nos ratos são ineficientes em homens. "Estamos caçando analgésicos cada vez mais específicos e potentes."

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