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Novo em Folha 42ª turma
09/11/2007

Imigração Japonesa: Parte constituinte da história paulista

Zeila de Brito Fabri Demartini
CERU / UMESP / CNPq

Quando, em nome do desenvolvimento econômico do país, especialmente da lavoura cafeeira paulista, o governo autorizou a entrada de japoneses no Brasil, esperava-se tão somente que trabalhassem bem na agricultura e, certamente, que retornassem para o Japão, quando não mais fossem necessários. Entretanto, eles ficaram, e as mudanças por eles introduzidas na economia e sociedade paulista foram inúmeras e importantes; é muito difícil abordá-las todas, mas algumas merecem ser destacadas.

A primeira delas, fundamental, é que a imigração japonesa alterou a composição demográfica da população paulista e, principalmente, da paulistana. Os cerca de um milhão de japoneses e descendentes na área metropolitana de São Paulo evidenciam sua inserção e a importância de sua presença. Os japoneses não eram imigrantes desejados pelos governantes, eram considerados como perigosos como "raça amarela" tão diferente dos brancos europeus que poderiam contribuir para o então almejado embranquecimento da população brasileira. No início do século XX, o projeto nacionalista e a política imigrantista e do Estado voltavam-se para a construção de uma nação brasileira branca; os japoneses só vieram para o Brasil porque a lavoura necessitava de trabalhadores e eles preenchiam muito bem os requisitos da política imigrantista: eram considerados bons agricultores, muito esforçados e disciplinados, embora de difícil assimilação. Com sua chegada, a imigração japonesa acrescentou à já variada sociedade paulista, mais um traço de diferenciação: os japoneses passaram a ser, ao lado dos negros recém-saídos da escravidão, os dois grupos mais discriminados da população. O que não se podia supor, naquele período, é que a história seguiria por outros caminhos: estes imigrantes que, quando vieram, também desejavam voltar para o Japão tão logo conseguissem melhorar de vida, aqui permaneceram, realizaram um processo de ascensão econômica e social rápido e interagiram com a sociedade de forma muito diversa da que era suposta nos discursos dos que se opunham à sua vinda. Hoje estão distribuídos por todas as regiões da cidade; algumas, como a Liberdade, ficaram conhecidas por concentrarem grande número de japoneses nas primeiras décadas do século XX, configurando-se ainda hoje como o ponto de referência comercial e cultural da comunidade japonesa na metrópole: aí foram criadas lojas, cinemas, escolas, centros culturais, feiras, restaurantes, pensões etc. com as marcas orientais do grupo. Desde que chegaram, entretanto, os japoneses foram se instalando nas várias regiões da metrópole, aí deixando suas marcas: em Itaquera, na década de 1920, instalaram-se inúmeras famílias, para se dedicarem à agricultura; o mesmo ocorreu nos bairros do Morumbi, Taboão da Serra, Butantã, Cotia, Pinheiros, Aclimação, Vila Mariana e outros, em que foram praticando diferentes atividades econômicas, culturais e de lazer. Na década de 1930, já havia crianças japonesas estudando em todos os grupos escolares da capital paulista, evidenciando que as famílias japonesas já estavam residindo por todos os lados.

Se vieram para trabalhar na agricultura, logo foram se dedicando a atividades variadas, principalmente na metrópole de São Paulo; apesar de todas as adversidades enfrentadas pelo fato de serem os mais diferentes entre os imigrantes que chegaram ao contexto paulista, já nos primeiros tempos depois de sua chegada estavam economicamente bem situados e socialmente integrados. Muitos já na década de 1940 haviam conseguido superar as dificuldades financeiras dos primeiros anos, encontrando-se em processo de ascensão econômica e com boa inserção no mercado de trabalho, como produtores, empresários, comerciantes ou como trabalhadores no setor de serviços e na indústria, especialmente entre os que residiam na área metropolitana. Para esta região deslocaram-se famílias do interior à procura de melhores oportunidades educacionais para seus filhos e também para se dedicarem ao cultivo de hortifrutigranjeiros nas periferias, atividade em plena expansão econômica ou para as atividades comerciais ou de serviços. Em 1958 os produtores de origem japonesa representavam 42,3% do total de agricultores das cercanias da capital (52,7% já eram proprietários). Com esta produção, que permitia a ascensão sócio-econômica das famílias, também foram introduzindo alterações nos hábitos alimentares dos paulistanos, que passaram a incorporar no seu dia-a-dia frutas, legumes e verduras originárias da China, Índia, orla do Mediterrâneo, Japão, México, África, França etc., que aqui eles foram adaptando. Na cidade de São Paulo também se estabeleceram japoneses que se dedicaram ao comércio, vendendo especialmente artigos japoneses; tornaram-se muito presentes no setor de lavanderias, tinturarias, barbearias e fotografia, e também no setor de finanças e serviços. No setor industrial, também são antigas em São Paulo algumas indústrias fundadas por japoneses; depois da Segunda Guerra Mundial instalaram fábricas de lâmpadas, rádios, peças para veículos e tratores, plásticos, fundições etc.

Um dos fatores que permitiram a rápida integração dos japoneses em São Paulo foi o grande investimento realizado pelas famílias na educação dos filhos. Os imigrantes japoneses eram os mais escolarizados entre os imigrantes que vieram para São Paulo, e aqui procuraram manter sua tradição de propiciar às crianças e jovens uma educação nos moldes como a conheciam no Japão. Esta foi outra marca que foram imprimindo em terras paulistas: a de que o investimento na educação dos filhos era necessário, mesmo que para tanto tivessem que criar e manter escolas às custas das próprias famílias (naquele período, o Estado só providenciava escolas para poucos). As escolas japonesas foram assim surgindo não só nos núcleos coloniais, mas por toda a região metropolitana; aí eram ministrados tanto os conhecimentos exigidos pela legislação educacional paulista, como a língua e práticas culturais orientais. Na região metropolitana os japoneses souberam estabelecer vínculos com autoridades escolares, permitindo que as escolas continuassem funcionando até mesmo durante a Segunda Guerra Mundial. Uma grande escola que foi criada na década de 1930 continua funcionando nos dias atuais: o Colégio Pioneiro, que atende grande clientela de descendentes de japoneses e de outras origens, mantido desde sua criação pela família de D. Akama e veiculando os valores da cultura oriental. Muitas escolas japonesas deixam de existir, mas o que não desapareceu, entre as famílias, foi o investimento em educação, evidenciado pela entrada nas melhores universidades paulistas de jovens de origem oriental, como é apontado em vários estudos.

Para conseguirem a ascensão econômica rápida e inserção na sociedade paulista, os japoneses exercitaram um dos traços fundamentais de sua cultura: o esforço para a realização dos objetivos; também alguns outros valores que sempre permearam suas vivências e que marcam as memórias das várias gerações: o respeito aos mais velhos e às hierarquias (que aqui foram transferidos para o respeito ao povo e ao governo brasileiros), a solidariedade e união para melhor atingir os resultados. Envolvendo suas maneiras de viver nas terras paulistas, manifestaram cuidado em procurarem formas para mudar costumes e práticas tradicionais, sem contudo alterar os valores fundamentais da cultura japonesa; sua história é a da construção de redes sociais que foram se ampliando, através de sua presença mercante em todos os campos da vida social e da atribuição de novos sentidos às suas novas experiências e vivências. Os japoneses chegaram como indesejáveis para fazer parte da sociedade brasileira, hoje são constituintes de nosso povo e de nossa história. Se a imigração e os vários grupos de imigrantes são parte integrante da sociedade brasileira, os japoneses são constituintes da sociedade e da história paulista. São Paulo é um território marcado pela diferença e é esta diferença, aqui evidenciada pela presença marcante dos japoneses em convivência com vários outros grupos étnico-sociais, que o torna um espaço complexo e rico de possibilidades, culturas e crescimento. São Paulo não seria o que é, com sua maneira própria de viver seu cotidiano, se para cá não tivessem vindo também os japoneses. O Japão não sabe o que perdeu quando os deixou sair de lá!

ZEILA DE BRITO FABRI DEMARTINI

  • Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo
  • Diretora de Pesquisa e pesquisadora do Centro de Estudos Rurais e Urbanos
  • Professora Doutora do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Metodista
  • Professora Doutora Participante do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Campinas
  • Tem pesquisas e publicações no Brasil e no exterior sobre metodologia de pesquisa, história de vida, história oral, história da educação em São Paulo, imigração japonesa, imigração portuguesa.
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