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Novo em Folha 40ª turma
14/02/2006

Íntegra de entrevista: Dorit Wallach Verea

DA EQUIPE DE TREINAMENTO

COM A SUA EXPERIÊNCIA CLÍNICA O QUE PROVOCA A FORMAÇÃO DE UM CASAL DO TIPO IOIÔ?

Uma característica importante neste tipo de casal ele muitas vezes analisa os seus problemas sem levar em consideração o contexto em que aconteceu o problema. Isso faz com que o marido , por exemplo, tenha uma atitude egoísta. Num determinado momento, a pessoa não vai olhar dentro do contexto esta atitude. Ela vai dizer que a pessoa é egoísta. Ela vai dizer: "eu não quero estar casada com uma pessoa egoísta". De uma atitude ele passa a ter como característica o egoísmo. Aí a mulher pensa: não vou viver com um homem egoísta. E vai embora e separa. Passa um tempo e essa mesma pessoa que foi embora começa a lembrar que ele não é somente um homem egoísta e que em outros momentos ele teve uma atitude muito altruísta, que ele foi muito companheiro. A idéia de que ele era egoísta se perde. Acontece o quê? O casal volta. Ou ela teve uma atitude agressiva. Aí ele pensa: "não vou ficar brigando a minha vida inteira". Separa. Sabe quando você quebra um espelho e fica olhando o espelho pequeneninho? Você se vê inteira naquele pedacinho pequeno. O que acontece? A pessoa não tem a clareza de entender quando é um pedacinho e quando é inteiro. Quando a outra pessoa não corresponde às minhas expectativas realistas, a pessoa acha que já não combinam, que não se dão bem como uma avaliação emocional e racional. A pessoa passa a ver como cada atitude uma coisa universal e única e aí perde de vista a importância daquele comportamento. Se um marido quer ir um dia pra um jogo do Corinthians é uma coisa. Se ele é egoísta sempre é outra. Essa falta de critério de contexto do que acontece ou aconteceu. Falta de capacidade de resolver os problemas pontuais. "Porque eu lembro há 30 anos"... Monta-se toda uma teoria e não se canaliza para uma situação em um determinado contexto.

O QUE FALTA PARA ESSES CASAIS MANTEREM UMA RELAÇÃO ESTÁVEL?

Primeiro eu acho que tem a ver com o diálogo. Com o saber dialogar, aprender a dialogar. As mulheres falam demais e assustam muitas vezes os homens, que tem dificuldades de se expressar. É como entrar num ringue com o Mike Tyson. É uma questão de gênero ao longo dos anos e dos séculos, que as mulheres sempre falaram muito mais. Então oq ue acaba acontecendo é que não é mais um diálogo e sim uma competição.

ESSAS PESSOAS QUE MANTÉM RELAÇÕES INSTÁVEIS TÊM UM PERFIL EMOCIONAL EM COMUM?

Eu acho que é estar compreendendo o percurso da história, porque todo casal tem crise, mas dentro de um certo contexto. Acho que é a busca do equilíbrio, a busca da compreensão...

COMO É O HISTÓRICO FAMILIAR DESSAS PESSOAS?

Em geral, sim, porque a gente aprende se relacionar de acordo com os nossos modelos. Se eu venho de uma família em que as pessoas brigam por tudo, eu tenho uma tendência ou a repetir esse modelo ou também a me opor. Normalmente a gente tende a repetir o modelo. Ele não se forma no dia em que a gente casa. É um processo que a gente vai desenvolvendo. Uma personalidade da nossa relação, porque se eu quiser que meu relacionamento seja o oposto dos meus pais ou igual ao dos meus pais, neste caso, você leva toda a bagagem que você visa repetir.

E PESSOAS QUE TIVERAM PAIS QUE NÃO BRIGAVAM NUNCA E MESMO ASSIM ESTABELECEM RELAÇÕES VAIVÉM CONTURBADAS?

Muitas vezes o que acontece a pessoa leva pra relação uma idéia de não brigar e acaba tendo um parceiro que ocupa todo esse espaço. Então acaba tendo um parceiro muito brigão. Ela tenta não brigar, mais que o companheiro briga.

QUAL O SENTIMENTO QUE PREDOMINA NESTAS RELAÇÕES?

A raiva, que é o sentimento mais destrutivo de uma relação e também se perde a compreensão e também de vista o equilíbrio. Porque se eu tenho raiva eu agrido e depois me sinto culpado.

COMO A PESSOA PODE TRATAR ESSA RAIVA?

É uma pergunta muito complexa. São inúmeros os fatores que fazem uma pessoa agir com raiva. Agir na impulsividade, porque a raiva é um sentimento primitivo. Isso significa que esse sentimento primitivo veio à tona e não teve o que a gente chama de ego, que é a consciência de parar e contextualizar o que está acontecendo naquela situação. Tentar se por no lugar do outro. O primitivo ele vem e inunda nossa capacidade de compreensão. Isso acontece por inúmeras razões... Pode ser por modelos de família, por traços, por transtornos emocionais que não foram tratados como transtornos de ansiedade.

ISSO SERIA UMA TENDÊNCIA DA PÓS-MODERNIDADE COM RELAÇÕES NORTEADAS POR IDEAIS DE CONSUMO, MUITO IMEDIATISMO, NARCISISMO, INDIVIDUALISMO? POR QUÊ?

É o que está acontecendo. Todo esse contexto na nossa sociedade consumista ela acaba alimentando o imediatismo, a intolerância à frustração, acaba alimentando uma vida muito individualista e o casamento vai na contramão disso. O casamento é compreensãó, é ser complementado ao outro... E muitos casais estão competitivos.

ENTÃO SERIA UMA QUESTÃO DE AUTO-AFIRMAÇÃO TAMBÉM?

Sim.

E COMO ESSES CASAIS PODEM RESOLVER ESSES PROBLEMAS?

Eles têm que pedir ajuda e procurar um terapêuta. Ele melhor do que ninguém pode ajudar de forma construtiva a avaliar essa dificuldade que vai e volta, que se repete. Freud já dizia que o problema não é ter problemas, mas sim ter os mesmos problemas. Então a gente vê que está repetindo... Não adianta fazer terapia quatro vezes por semana durante dez anos. Não. Pode ser uma abordagem breve. Nós fazemos aqui na Prisma um trabalho com casais de abordagem breve e total. Com eles eles aprendem a lidar com as dificuldades. Muitas vezes a gente faz a análise tão levado no automático que a gente vai repetindo com os casais ioiôs. Quando as pessoas conseguem apreender a problemática de uma forma diferente conseguem resolver tudo com menos estresse.

ESSES CASAIS PODEM SE ATRAIR UM PELA NEURA DO OUTRO?

Ah, isso acontece muito.

COMO É? UM É MAIS MANDÃO E OUTRO É MAIS MANDADO?

Uma relação competitiva. Em toda relação existe dois componentes importantes. Um é o complementar: um fica mais bravo e o outro fica mais bonzinho. Um manda mais e outro é mais submisso. Isso é a complementariedade. Mas existe também a competição. "Vamos por ali, não, vamos por aqui", "vamos jantar na churrascaria, não, vamos coemr sushi". Então o equilíbrio numa relação é quando existe um pouco dessas duas questões. Quando só tem complementariedade, um deles só é submisso. Um engole o outro, então é uma relação patológica. Então geralmente o casal ioiô é um casal muito competitivo.

E A BUSCA DE UM PAR PERFEITO PODE SER A BUSCA DE UMA NEUROSE?

É uma ilusão e toda ela cria expectativas ideais. É o prato feito para uma relação neurótica.

Coordenadora da Clínica Prisma, Dorit Wallach Verea é Mestre em Psicologia Clínica pela PUC/SP e especialista em Dependência Química pelo Instituto Sedes Sapientiae. É também especialista em Psicologia Psicossomática pela Universidade Paulista/SP e fez aperfeiçoamento em "Formação do Pensamento Sistêmico" pelo Instituto de Família e em "Teoria das Técnicas de Psicanálise" pela Clínica Roberto Azevedo/SP. Participou ainda do Intercâmbio Científico sobre "Tratamento Ambulatorial Intensivo para Dependência Química" na Clínica Matrix, Los Angeles/USA.
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