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Novo em Folha 41ª turma
21/06/2006

Veja íntegra da entrevista com o sociólogo Edin Sued Abumanssur

Para professor da PUC-SP, fiel mede custo-benefício com igrejas

DA EQUIPE DE TREINAMENTO

Um mero produto comercial. Na opiniao do sociólogo Edin Sued Abumanssur, do departamento de teologia e ciencias da religiao da PUC-SP, a relaçao entre fiéis e suas igrejas é hoje pautada por uma questao comercial. De um lado, há a busca da graça, um milagre a ser alcançado. De outro, alguém disposto a oferecer conforto e intermediar a vontade.

Como toda relaçao entre agentes de mercado, o contrato pode um dia vir a ser contestado por uma das partes. "É a lei do mercado", analisa.

Nesta entrevista, Abumanssur explica como o dinheiro ganhou dimensao simbólica nas igrejas. "Quanto maior o sacrifício, mais direito o fiel terá de cobrar."

A cobrança, muitas vezes, tem como endereço as salas de audiencias dos tribunais.

Folha: Como o senhor ve o fato de as pessoas recorrerem r Justiça para resolver conflitos de fé e religiao?

Abumanssur: Isso é muito fácil de ser entendido. A religiao hoje é um produto de consumo e as pessoas pagam para recebe-lo. É um bem simbólico, como se diz em antropologia, ainda que intangível. Se nao recebe, ela processa. É a lei do mercado.

Folha: Isso é uma tendencia em todas as igrejas?

Abumanssur: É uma tendencia em todas as igrejas transformar a religiao em mercadoria. Algumas mais e outras menos, mas a tendencia é encarar a questao como um mercado. Sao agentes econômicos que estao no mercado e oferecendo produtos. A postura atual, contemporânea na relaçao da igreja com a fé é a postura de consumidor para produtor. Voce adquire esse produto e espera que ele seja entregue. Se nao entregar, é passível de ser processada.

Folha: O que diferencia as igrejas sob esse aspecto?

Abumanssur: Existe um discurso mercadológico na hora de uma igreja vender o produto. Algumas tem postura um pouco menos de mercado. Se pegar as religioes orientais, por exemplo, ou mesmo candomblé, voce nao ve essa postura. Elas estao no mercado, mas a maneira de se posicionar é diferente, por exemplo, das neopentecostais. Elas se diferenciam na maneira de conquistar posiçao no mercado, o tipo de visibilidade e do produto. É algo menos explícito.

Folha: O senhor percebe esse posicionamento também na Igreja Católica?

Abumanssur: Sim, com a renovaçao carismática. Ela vende bens de salvaçao, simbólicos, promete felicidade, paz, harmonia familiar, segurança no trabalho, segurança depois da morte.

Folha: Mas a relaçao com o dinheiro nao é tao forte como em outras igrejas.

Abumanssur: Sim, porque o dízimo deixa os fiéis sócios de Deus. Nas pentecostais isso é mais forte, na renovaçao carismática, nao. É a contrapartida. Na verdade, a relaçao do fiel com a igreja nao é mediada monetariamente. O dinheiro tem valor simbólico, de sacrifício, nao monetário. Pode ser R$ 2 ou R$ 10.000.

Se nao pesa, nao tem sacrifício, nao tem valor.

Será maior o direito de cobrar quanto maior for o sacrifício, a possibilidade de cobrar a graça nao alcançada. Se o sujeito pensa: "paguei e fiz esperança, conforme a vontade do pastor. Isso nao foi cumprido, portanto eu fui enganado". É uma relaçao típica de que vai atrás de religiao, nao como fiel, mas como cliente.

Folha: Isso tende a aumentar?

Abumanssur: Nao sei se tende a aumentar, mas é o padrao atual dos fiéis em relaçao rs igrejas. E a igreja também trata o fiel como cliente, embora haja um discurso religioso para legitimar essa postura. Por isso nao é surpresa que alguém vá r Justiça processar uma igreja.

Folha: Existe um discurso comum para os anseios dos fiéis?

Abumanssur: Em igrejas do protestantismo histórico, como metodista e presbiteriano, o produto de salvaçao nao está r venda da mesma maneira. A relaçao é outra. Na hora do aperto, igrejas como a católica e do protestantismo tradicional, nao tem discurso para o anseio. Mas as essas procuram. A relaçao das pessoas com a Universal, por exemplo, é como a de quem vai r cartomante. É o cúmulo da necessidade do fiel.

Folha: Por isso se ve menos açoes em igrejas tradicionais?

Abumanssur: Igrejas tradicionais vendem o sentido da vida, tem uma teologia mais estruturada no sentido da existencia. As neopentecostais vendem soluçoes para necessidades pontuais. Sao bens simbólicos, mas sao produtos diferentes. Desemprego,desilusao amorosa, casamento etc...igrejas tradicionais nao se arriscam nesse universo. O discurso aponta para um futuro distante.

Folha: Sao formas de se encontrar em diferentes igrejas?

Abumanssur: O fiel se julga no direito de exercer o direito do consumidor e faz uma leitura pessoal do que é igreja. Nao é ela quem dá as regras, quem dita é o grupo de fieis. É ele.

Folha: Isso indica uma falta de hierarquia nas igrejas?

Abumanssur: Nao. Ela está mais forte e mais estruturada. Há uma mudança no foco do poder. Em igrejas mais recentes, o poder nao é herdado, mas vem do consenso dos fiéis. A pessoa faz a mediaçao com o universo sagrado e espiritual. Se nao exercer o papel vai ser responsabilidade disso.

Folha: Isso é uma particularidade de nossos dias?

Abumanssur: É um processo da modernidade, que se inicia no século e segue. A reforma protestante, que levou o poder na mao do leigo foi contribui neste sentido. Isso vem se acentuando de lá pra cá e mesmo a católica está atenta rquilo que o leigo pensa e deseja. Igrejas evangélicas conquistam terreno em cima dos desejos dos fiéis. Sao, digamos assim, democráticas. Elas se pautam pela necessidade do povo.

Folha: Muitos veem os fiéis como ingenuos. O fato de eles reclamarem direitos na Justiça quebra essa imagem?

Abumanssur: Eles nao sao ingenuos e nao sao explorados. Sabem o que está acontecendo, o que estao comprando Dizer isso é muito preconceito em relaçao ao povo. Conversao é um cálculo de custo-benefício. A gente nao explicaria o crescimento das neopentecostais pela ingenuidade. Seria passar um atestado de burrice r boa parte da populaçao brasileira. Há um desfile de provas em favor dessa igreja nas sessoes, de quem deu certo e vao apontar a graça. Quando o pastor faz a promessa, o cliente se posiciona. Em Aparecida, as pessoas agradecem a graça, fazem romaria. Há uma passarela enorme que liga a basílica enorme e a nova igreja. É algo típico da devoçao do católico. Uma relaçao clientelista, mas privatizada. Como com santo Antônio: ‘se nao arranja namorada para mim, coloco de cabeça para baixo’. Isso faz parte da alma religiosa brasileira. Um padrao de relacionamento de um povo. Mesmo assim, o candomblé e a Universal vivem criticando uma é outra. É uma disputa por cliente. Da mesma maneira que tem sessao de descarrego, benze roupa, há rituais parecidos no candomblé e na umbamda. Elas atuam no mesmo campo religioso. Por isso Universal bate tanto neles, porque disputam seus fiéis.
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