28/06/2007
Documentos dificultam retorno de refugiados
FERNANDO BUENO
GUSTAVO GOUVEIA
da EQUIPE DE TREINAMENTO
Burocracia é o principal entrave para programa de repatriação voluntária da ONU; Consulado de Angola afirma não haver problemas
Alexandre Campbell/Folha Imagem |
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Leonardo Matos, marido de Domingas Dalas, e Anderson Osvaldo, filho do casal |
Domingas Dalas voltou a Angola deixando marido e filho no Brasil. Após oito anos no Rio de Janeiro, como refugiada de uma guerra que deixou 1 milhão de mortos, Domingas tenta se restabelecer em seu país.
Como ela, outros expatriados querem retornar, mesmo que em Angola a maioria das pontes e estradas continue destruída, exista mais de uma mina terrestre por habitante e carência de infra-estrutura básica como escolas e hospitais.
Mas, embora a ONU tenha começado este ano um programa para repatriar quem quer voltar a seu país natal, ninguém embarcou com ajuda da entidade. A organização poderia mandar até 150 pessoas por ano, mas só recebeu sete pedidos.
Seis não têm a documentação necessária, o que revela um dos principais obstáculos da ação: a dificuldade de obter passaportes. Sem os papéis, dois dos seis desistiram e voltaram para Angola por meios próprios _foi o caso de Domingas. Os outros quatro aguardam os documentos.
O único refugiado que estava em dia com a burocracia desistiu antes de embarcar.
A repatriação voluntária, promovida pelo Acnur (agência da ONU que dá assistência aos refugiados), paga passagem aérea e US$ 200 aos angolanos refugiados que queiram voltar à terra natal. Mas é preciso ter passaporte válido.
E quem não tem os papéis demora para obtê-los. "Falamos várias vezes com o cônsul e o embaixador (de Angola), pois exigem requisitos que não é possível que o refugiado tenha", diz Luis Varese, representante do Acnur no Brasil.
Segundo o consulado, não há dificuldades (leia o texto ao lado). Os postulantes, no entanto, enfrentam um círculo vicioso da burocracia: o governo angolano dá o salvo conduto a quem já tem a passagem. Mas o Acnur só dá passagens a quem já obteve os passaportes.
Outro fator que explica a baixa adesão é a divulgação ainda tímida, feita com panfletos e cartazes apenas no Rio de Janeiro. No Estado, vivem 1.310 refugiados angolanos _com 1.684 pessoas, é de Angola a maior população de expatriados no Brasil.
Julia Moraes/Folha Imagem |
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A aluna de enfermagem Eugênia Coelho, que quer voltar a Angola após a faculdade |
Moradora de São Paulo, Eugênia Coelho faz parte desse grupo e quer voltar quando terminar a faculdade de enfermagem _ela curso o segundo de oito semestres. "O objetivo é levar o que aprendi fora para o meu país".
Apesar da determinação, Eugênia nunca tinha ouvido falar da iniciativa do Acnur.
"Quando for resolvido esse problema (da documentação), provavelmente até o fim de julho, faremos a propaganda com mais força", afirma Varese.
A agência deve repetir no Brasil a estratégia que adotou na África: divulgar a repatriação voluntária por vários anos e cessar o programa apenas quando perceber que não há mais interessados.
"A repatriação voluntária é um direito do refugiado", afirma o representante do Acnur.
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