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Novo em Folha 42ª turma
29/06/2007

Entrevista: professor Zakeu Zengo, professor da UERJ

da EQUIPE DE TREINAMENTO

Há algum componente étnico por trás do conflito civil em Angola? Ou foi uma conseqüência da guerra fria (polarização URSS e EUA) ou da luta de independência?
- Não. A origem do conflito civil armado em Angola está diretamente relacionada com as manobras imperialistas que dividiram o mundo em dos dois blocos desde a década de 1930. Se a causa da guerra em Angola, cujo início recua até 1961, foi a resistência contra o colonialismo português, apenas a lógica da história torna Portugal responsável direito pelos conflitos que mataram em Angola mais de 3 milhões de seus filhos. Embora nenhum país colonizado por essa metrópole em África foi capaz de consolidar-se como independente sem derramamento de sangue, foram as manobras da guerra fria que ensinaram o ódio que alimentou e instituiu por tantos anos a cultura da guerra em Angola. Apenas acidentalmente a questão étnica foi utilizada pelos grupos armados, e sem grande sucesso, como material de campanha ideológica para justificar a presença no conflito e recrutar os próprios assassinos. A UNITA tentou por muitas décadas cooptar as tribos do sul e leste de Angola, mas desistiu e suas campanhas tiveram mais sucesso quando se espalhou por todo o país e adotou o discurso de um nacionalista integralista. A FNLA teve, nos seus tempos de movimento armado, forte enraizamento entre os povos do Norte de Angola, particularmente os Bakongos, e isso pode ter sido mesmo a razão do seu rápido desaparecimento do cenário dos conflitos depois da independência em 1975. Já o MPLA, embora alguns analistas insistam em associar seu sangue umbilical com os povos kimbundos, teve mais sucesso em sua propaganda ideológica porque apresentou-se como libertador de todos os povos de Angola, de Cabinda ao Cunene. Por todas estas razões, apenas Portugal e a guerra fria são os verdadeiros réus pela guerra civil em Angola.

A Unita se revoltou em 1992 com o resultado das eleições, alegando fraude. O senhor acredita que houve fraude?
- Eu não estava lá e não tenho condições de emitir juízo mais competente sobre a matéria. De todo o modo, se países administrativamente mais organizados como o Brasil, e mais desenvolvidos como os EUA, registram fraudes em suas eleições nacionais ou regionais, é ao menos ingênuo acreditarmos que um Pais até hoje totalmente desestruturado como Angola tenha tido uma eleição limpa e isenta. Jonas Savimbi não precisava de provas para reclamar fraude. Acho que ele não foi o nacionalista em quem o povo confiou e votou, pois se o fosse teria apostado na paz e aceitar que eleições totalmente limpas era para Angola um projeto possível só no futuro.

1992, ano em que a guerra chega Luanda, corresponde ao marco inicial da vinda de refugiados angolanos para o Brasil?
- Não! Refugiados angolanos começaram a chegaram ao Brasil na década de 1970. Com intervalos irregulares por determinação da intensidade dos conflitos, aqui vieram angolanos em todas as décadas seguintes em que o país esteve em guerra. Os primeiros foram os angolanos descendentes dos colonizadores portugueses que, embora tenham já se naturalizado por aqui, chegaram aqui fugidos da guerra armada e somam muitas centenas em varias partes do Brasil hoje. Mas a década de 1990, principalmente a segunda metade, responde pelo pico do número de refugiados angolanos porque, depois do referido fracasso das eleições, a guerra tinha se tornado mais convencional, mais violenta e mais injustificada. Para muitos angolanos o país controlado pelos senhores da guerra tinha perdido totalmente o direito de ser uma pátria digna de seus sonhos e do seu direito de viver feliz. Para não perder mais tempo no jogo da esperança, levas de famílias e jovens arriscaram-se a ganhar o outro lado das fronteiras em busca de segurança e sonhos possíveis. Por varias razões Brasil sempre esteve entre os portos mais próximos, estimados e desejados no imaginário angolano. Mas não foi o maior destino!

Quais as principais rotas de saída do país usadas pelos refugiados e quais foram os principais países de destino?
- Mais de 70% dos refugiados angolanos estão ou foram parar nos países africanos, particularmente os que fazem fronteira com Angola. As fronteiras terrestres constituem a maior rota de saída e entrada em Angola. Um paradoxo histórico curioso da África é que enquanto nacionais deixam seus países por razões de conflitos armados, outros entram fugidos dos seus próprios conflitos e problemas. No mês passado parte dos jogadores da seleção da Eritreia que foram disputar com a seleção angolana pela copa da África decidiram pedir asilo político em Luanda, enquanto milhares de jovens angolanos esperam por uma chance para escapar para outros paraísos. Obviamente o sonho desses jovens sempre foi conseguir chegar aos países desenvolvidos da Europa e da América, algo sempre mais difícil. Portugal, França e Bélgica foram sempre os principais destinos, talvez nessa ordem. Entre o fim da década de 1990 e início de 2000 Estados Unidos foi igualmente invadido por refugiados angolanos. Como referi, o Brasil faz parte do imaginário mais presente, mais acolhedor e acessível de Angola, talvez mais do que Portugal por várias razões. Por isso ele está entre os quatro primeiros países mais escolhidos pelo refugiado angolano.

É possível definir um padrão sócio-econômico dos refugiados angolanos que vieram ao Brasil?
- Os angolanos que vieram ao Brasil como refugiados remontam de vários estratos sociais de Angola. Na verdade, a grande maioria que fugia de Angola durante os anos de bala era de pessoas que reuniam certas condições possíveis apenas aos menos miseráveis. Sem condições de pagar uma passagem internacional, conseguir um visto de turismo na embaixada brasileira, garantir uma reserva no avião da TAAG e dispor-se de um certo montante em dólares para segurar-se ao aportar na terra estranha, nenhum angolano se aventurava a fugir para tão distante quanto o Brasil. Mesmo a rede de relações com os já emigrados e estabelecidos não livravam ninguém dessas exigências. Essas condições encontravam-se ao alcance principalmente de pessoas que, no contexto de miséria e pobreza angolanas, poderíamos classificar como classe média. Por esta razão é comum no Brasil a constatação de um número considerável de refugiados angolanos que já chegaram com formação superior, com habilidades profissionais demandáveis, muitos professores de línguas estrangeiras e ofícios. Outra característica notável do refugiado angolano, e africano em geral, geralmente ausente de outras conhecidas experiências, é a luta pela formação acadêmica e profissional, mais do que a busca de emprego para apenas viver tranquilamente longe da pátria insegura. Três em cada cinco refugiados angolanos estudam, e o Brasil hoje tem vários mestres e doutores em diversos segmentos laborais de angolanos que vieram como refugiados ou optaram por essa condição uma vez aqui chegados. Outro aspecto que chama atenção relativamente os refugiados angolanos, e creio africanos de outras nações também, é o fato de serem na sua maioria jovens que acabam formando sua família por aqui casando-se com nacionais. Isto é particularmente devido ao fato de que muitas vezes a condição de refugiado é optada depois de aqui se chegar como estudante ou outra condição legal. E não é mesmo difícil encontrar entre os refugiados filhos ou familiares de diplomatas e pessoas de poder em Angola. Aqui chegados sem planos de ficar, avaliaram depois que se terá mais dignidade vivendo-se aqui e longe da guerra e da falta de oportunidades que ela acarretou para a juventude angolana.

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