Treinamento Folha   Folha Online
   
Novo em Folha 42ª turma
04/07/2007

Diário de Bordo - Corrida com obstáculos

RAFAEL TARGINO
da EQUIPE DE TREINAMENTO

Certo dia, a Ana nos pediu três sugestões de levantamento próprio para o caderno final. A turma, no geral, estava pensando em pautas de políticas públicas. Das três sugestões, uma virou pauta do dia, a outra foi descartada e a última vingou: como estão os equipamentos culturais (teatros, museus) públicos da cidade?

De início, nenhuma das três que havia mandado tinha como foco a tal da política pública. No final, encontraram uma brecha e pronto, o centro da pauta virou a administração desses lugares. Sabe quando você até gosta do assunto, mas fica com um pé atrás com ele? Mais ou menos o que aconteceu.

Mesmo assim, continuei tocando a digníssima. E faz lista de fonte, e lê toda a (longa) legislação sobre o assunto, e descobre que quem cuida desses equipamentos são entidades semelhantes a ONGs. Umas duas semanas de trabalho, enfim -até que tomei coragem e fui dizer à Ana que não estava satisfeito com a pauta. Foi um desastre.

- Ana, não estou feliz com a minha pauta. Descobri que odeio políticas públicas.

- Co-como assim? -ela perguntou, assustada.

Eu comecei a gaguejar também.

- É que

- Como assim você não gosta de políticas públicas? O jornalista tem que saber o que o governo está fazendo

- A-acho q-que não m-me expressei di-direito

- O jornalista que não gosta de políticas públicas tá na profissão errada. Acho que você não se expressou direito.

- É, acho que não. Mexer com ONGs nunca foi muito a minha praia. Mas, enfim, quero mudar a pauta. Tinha pensado em fazer sobre fotografia e tal

Expliquei a "nova" pauta que, pra ela, viraria um pequeno e minúsculo "foco" ­-não segurava uma página toda, por exemplo. Pedi mais dois dias para apresentar uma pauta que pudesse, pelo menos, ser chamada disso.

Um dia e meio depois, volto pra mesa da Ana com uma idéia que, na época, tinha seu "quê" de esdrúxula: levantar na polícia os acidentes de trânsito e em que rua eles tinham acontecido, para, daí, saber quais lugares eram mais "perigosos" em São Paulo. Resolvi ver onde isso ia dar. Percebi que eu teria que pegar um sem-número de boletins de ocorrência e contar um a um. Inviável. (Depois disso -mais exatamente no dia em que escrevo esse diário- a CET, órgão responsável pelo trânsito em São Paulo, divulga dados parecidos. Ou seja: não era tão ridículo assim se eu conseguisse tudo pronto).

Quando percebi que a quarta pauta em menos de três semanas iria desandar, lembrei de uma matéria que tinha visto nos arquivos da Folha: "Sem sinalização, ruas de São Paulo viram labirintos". Em 2005, dois repórteres haviam percorrido a cidade atrás das placas de indicação (aquelas verdes, que dizem pra que lado ficam as coisas). Na hora, tive o click: vou fazer o mesmo, para ver como ficou dois anos depois.

A Ana não ficou muito empolgada com a idéia no começo, mas topou. Precisávamos ver as ruas nas quais a última reportagem havia passado e escolher roteiros novos.

Os novos roteiros foram fáceis: a CET disponibiliza, no site, caminhos para que o motorista que vem de fora passe pela cidade sem maiores problemas. Eram dez. O pepino foram as primeiras rotas: no texto, era tudo muito genérico, do tipo "em Parelheiros não tem placa." -só que Parelheiros é um bairro inteiro.

Genérico ou não, faltavam três semanas para o fechamento e eu tinha que sair pra checar as placas.

Peguei três roteiros e fui fazê-los. Comecei na véspera do feriado de Corpus Christi, uma quarta-feira. Saí às 11h da redação, achando que iria fazer até mais do que as três rotas.

(Aqui cabe uma breve explicação: não sou de São Paulo. Venho de um lugar onde quase não há trânsito, a não ser nos horários de pico: Brasília)

Em resumo, por ser véspera de feriado, peguei congestionamento recorde: 192 km de trânsito. E eu estava lá, no meio da marginal Pinheiros (que a rádio dizia ser o pior trecho), tentando voltar para a Folha. Às 17h30, já tinha percebido que não ia adiantar mais muita coisa ficar andando pela cidade -e fiquei desse horário até as 19h30 tentando voltar da Castello Branco para o centro. Um inferno.

Na segunda-feira seguinte, de volta à rua. Se já tinha andado 200 km na quarta, andei mais 250 km. Com trânsito, de novo. Hoje, até brinco que sei chegar a QUALQUER lugar dessa cidade, do tanto que andei por aqui.

Em cada um dos dias, deixei um motorista irritado (ou impaciente). Sempre que passava por algum lugar onde achava que a placa estava com problema, pedia para ele voltar. E voltar. E voltar. Sabe quando você fica andando em voltas pela cidade? Mais ou menos isso. E para explicar que a gente não poderia fazer o caminho que eles conheciam, até foi fácil. Difícil era lembrá-los a cada atalho que faziam involuntariamente.

No último dia, peguei três dos roteiros para fazer a noite (e saí depois do rush). Qual não foi minha surpresa quando em um dos lugares nos quais havia visto que não existia uma placa, uma misteriosamente apareceu? A CET já sabia dos pontos que tinha visitado (precisei mandar para fazer o outro lado da reportagem). Falei com a Ana. Outro desastre, óbvio.

- Nossa! Sério?

- Sério, Ana, sério.

- Você sabe que sua matéria pode cair por conta disso, não sabe? E se colocarem todas as placas antes do fechamento?

Não caiu. É, mas fiquei preocupado uns dois dias.

Um dos piores momentos dessa matéria toda foi a hora de montar as artes. Peguei dez mapas e comecei a pintá-los. Isso, pintar no esquema canetinha-rabisca-rabisca-rabisca-erra. Parecia minha irmã de sete anos. O negócio é que nunca fui muito aplicado nas aulas de artes plásticas da escola. Por isso, na minha gaveta, você acha pelo menos uma versão "conceitual" (sic) de cada um dos mapas.

No final, tudo acabou dando certo. As artes entraram (aprenda uma coisa: se você quer uma coisa, diga que quer desse jeito e fique firme nisso _a não ser que te ofereçam coisa melhor), só entraram 35 dos 60 cm da matéria (normal, falta papel), mas está tudo lá na página 5.

Quatro pautas e 700 km depois, eu sobrevivi.

BLOG

BATE-PAPO PRÊMIOS ESPECIAL
Patrocínio

Content on this page requires a newer version of Adobe Flash Player.

Get Adobe Flash player


Philip Morris
AMBEV


Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).