São Paulo, sábado, 1 de janeiro de 1994
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O desafio da Justiça

A Justiça brasileira viveu um ano marcante em 1993. Os cidadãos recorreram como nunca aos tribunais, num movimento que só fortalece o Estado de Direito. Apenas no âmbito trabalhista, por exemplo, estima-se que mais de 1,8 milhão de ações foram ajuizadas no ano passado. E o Judiciário não fez parte apenas da vida cotidiana da população como envolveu-se também nas grandes decisões nacionais –do IPMF à cassação de Fernando Collor.
No entanto, a avalanche de ações, somada à ultrapassada máquina judiciária e a intricadas normas de procedimento, significou ainda mais morosidade. É um problema reconhecido pela própria magistratura e que traz danos muito concretos para a sociedade, além de reforçar a desconfiança sobre a capacidade do Estado de produzir justiça.
O recorde de processos registrado neste ano –segundo o "Jornal do Advogado" (da OAB-SP) de dezembro– traduz ainda a profunda e perversa instabilidade legislativa que vive o país. Apenas entre janeiro e novembro, foram editadas 116 leis. É um número até menor do que o de outros anos (em 1990, por exemplo, foram editados 365 diplomas), mas ainda assim representa uma nova lei a cada dois dias úteis.
Mais do que apenas prolixidade, Congresso e Executivo exibiram uma tal inépcia legiferante –da Medida Provisória que pretendia restringir a concessão de liminares à cobrança do IPMF no mesmo ano da sua criação– que só poderia provocar mais contestações na Justiça. É como se a estrutura institucional da República ainda estivesse aprendendo a funcionar num ambiente em que os juízes não são decorativos.
A maior presença do Judiciário tem ainda o efeito de tornar o inter-relacionamento entre os Poderes um pouco mais tenso. Desde que não seja levada a extremos, contudo, essa contraposição é até desejável e contribui para manter o equilíbrio interno do Estado, como previsto na clássica fórmula norte-americana dos "checks and balances", ou freios e contrapesos institucionais.
É fundamental, porém, agora que as atenções se voltam para os tribunais de todo o país, que os agentes da Justiça demonstrem a serenidade e o equilíbrio exigidos pela atual situação. Excessos podem ser tão perversos quanto a timidez na aplicação do Direito.
De todo modo, é extremamente positivo que o Judiciário esteja cada vez mais se firmando como um Poder de fato, atuante na vida nacional, mas preocupa constatar que se encontra ainda pouco preparado para assumir seu novo papel. Sem uma ampla modernização e um aumento da eficiência interna, a Justiça brasileira corre o risco de continuar a ser –como hoje– inacessível e distante para a maior parte da população.

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