São Paulo, quarta-feira, 5 de janeiro de 1994
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Furnas e o atraso

PAULO LUDMER

É impossível consertar este país sem enxugar os custos irracionais das empresas estatais de infra-estrutura, especialmente as que prestam serviços onipresentes como as do setor elétrico. Tampouco há plano econômico, de direita ou de esquerda, conservador ou revolucionário, que escape da busca da eficiência e da quebra da conserva em que se transformaram as corporações estatais.
Impedir a racionalização, a conquista da produtividade, o fechamento dos raios por onde vaza o dinheiro público, é desafiar a própria democracia. Todavia, no atual corporativismo estatal ainda se esquece que é melhor encontrar o caminho da reinserção do país na economia mundial por meio de instituições fortes em ambientes de liberdade.
Infortunadamente, estas idéias e pensamentos enviezados grassam em boa parte do setor elétrico brasileiro que só faz querer aumentos reais de tarifas, para saciar a fúria das necessiades de caixa, ignorando as possibilidades de novos modelos institucionais e outros instrumentos de competitividade indispensáveis no cenário atual.
Uma ilustração de tudo isto é dada pela liderança da direção de Furnas na contramão da evolução dos fatos: ela confunde concessão pública com doação e subjuga o país à sua fantasia do domínio da verdade.
Mas porque o destaque de Furnas? Devido a sua importância estratégica, a sua expressão política no grupo "de Juiz de Fora". Porque faz a sutil expressão do Ministério de Minas e Energia, prega a continuidade (a meu ver da degradação) do que aí está, na condição de concessionária que atende todo o Sudeste (São Paulo, Rio, Minas, Espírito Santo e áreas do planalto Central).
Em outras palavras, hoje a voz da corporação do setor elétrico ressoa forte em Furnas, que responde pela eletricidade destinada a dois terços da economia nacional e possui a chave de Itaipu, cuja energia transporta e vende compulsoriamente.
Mas eis um fato: no início de dezembro de 1993, Furnas obteve mais um aumento real nas tarifas que pratica junto às concessionárias que supre: Cesp, Cemig, Escelsa, Cataguazes, Eletropaulo, CPFL, Light, Cerj e outras. Além disso, planeja aumentos, sempre em abril e outubro de cada ano, até 1996, em moeda real (livre da inflação). Isso quer dizer: pretende um aumento de 158% real em abril de 1996 sobre maio de 1993, ou ainda um reajuste de 59% em abril de 1996 sobre setembro de 1993.
É o fim!
Estes aumentos são planejados depois de sucessivos reajustes, mês a mês, de 8,77% reais –de maio a outubro de 1993. Ou depois de o Tesouro Nacional, neste mesmo ano, haver injetado, pela lei 8.631, de março de 1993, mais de US$ 20 bilhões no setor elétrico estatal do país.
Vale dizer: uma nova rodada de aumentos reais nas tarifas de energia elétrica foi detonada por Furnas, porque a Cesp, Light e Cemig, entre todas, haverão de pretender repassar esta elevação em seus custos para os consumidores finais.
Em nome de quê? O setor elétrico brasileiro usa proporcionalmente seis vezes mais mão-de-obra que a Hydro Cluebec no Canadá, onde também não há o ralo dos fundos previdenciários aqui inventados, nos quais, através das tarifas, garantem-se aposentadorias e assistências nobiliárquicas.
Na área de Furnas há usinas hidreléticas em obras que estão custando de duas a cinco vezes o que uma sociedade civilizada porpõe-se a pagar...
A atitude de Furnas agride também o temperado e frugal plano do ministro da Fazenda, que prodigamente pretende corrigir as tarifas públicas pelas URV –Unidades Reais de Valor. Em outras palavra: Furnas age contra FHC.
Outro desdobramento das tarifas de Furnas: as indústrias de base intensivas consumidoras de energia elétrica perdem a capacidade de suportar as novas tarifas e se restringem, algumas fechando, outras saindo do Brasil rumo a países que oferecem o insumo competitivo, no próprio Mercosul (Paraguai e Argentina). Antes disso, inúmeros programas de investimentos já foram adiados ou cancelados, seja em expansões, seja em novas plantas industriais, pela falta de regras e pelas ameaças de ambientes inóspitos. Como se o país pudesse dispensar empregos e atividades.
Acresce que é na área de Furnas (o Sudeste) que está o principal foco produtivo nacional. É aqui que todos querem passar o pires e o chapéu sobre o restrito núcleo empreendedor, que ainda resta e resiste, sendo o mais eficiente do país. Os tesouros federal, estaduais e municipais acham que aqui há um oceano inesgotável formado por contribuintes e consumdiores do Sudeste, que sustentam o país. Aqui se buscam patrocínios para a cultura e para a fome, para a saúde e para as mordomias. Para os cartórios e para os coronéis.
No entanto, a fonte secou. Exauriu. O país precisa que muito mais pessoas físicas e jurídicas trabalhem. Especialmente a máquina do Estado, que haverá de enxugar as gorduras, forçar folclóricos barnabés a se tornarem produtivos.
Estamos convencidos que é possivel no Brasil ofertar energia elétrica a US$ 25/MVVh (incluindo custos de capital), enquanto o setor elétrico não se contenta com uma tarifa média inferior a US$ 70..., aos quais deve-se somar o fato de que tributos sobre a energia não são menores do que US$ 15/MWh... Grava ainda o custo final da energia o ICMS, não recuperável na exportação que acaba de conter.
Foi a gestão política e ineficiente do Estado empresário no setor elétrico que conduziu a tarifas industriais sem relação de competitividade com os nossos concorrentes. Vejam que o Brasil com 95% de energia hídrica busca uma tarifa média próxima a dos EUA que tem 13% de hidreletricidade e 13% de núcleo-eletricidade.
A prioridade é mudar. Chega de disponibilizar a sociedade brasileira e suas riquezas para o benefício do Estado e não da nação.
Enquanto o consumidor brasileiro continua inconsciente engolindo os custos e as tarifas públicas consideradas e praticadas pelos governos, agora capitaneadas por Furnas, mantêm-se boas as chances de nos africanizarmos e voltarmos a ser um país do século 18 e 19, de supostos bons lavradores e comerciantes de armarinhos.

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