São Paulo, quarta-feira, 5 de janeiro de 1994
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Romário deixa Parreira no pelourinho

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Na entrevista que Parreira concedeu ao João Máximo, ontem, aqui nesta Folha, o técnico brasileiro lista uma série de fatores que podem derrubar nosso time na Copa, fora do campo.
O primeiro item tem endereço certo e conhecido: vai direto a Barcelona, onde reside Romário, que, na verdade, transformou-se na grande solução das eliminatórias e no grande problema da Copa.
Parreira pode ser acusado de tudo, menos de burro. E seus vinte e poucos anos de futebol já advertiram para o risco que significa a supervalorização de um atleta que sofre, sobretudo, de incontinência verbal.
A bem da verdade, ele e Zagalo sacaram isso antes mesmo das eliminatórias. Por isso, não convocaram Romário. Se tudo corresse como o esperado –uma classificação sem sustos– Romário, apesar da excelência de seu futebol, hoje estaria, na melhor das hipóteses, na muda, boca selada, à espera da convocação para a Copa.
Fatais erros de preparação da equipe, que vão desde a desorganização do nosso futebol até equívocos na escalação e substituições por parte da comissão técnica (leia-se Parreira), obrigaram o técnico, no jogo decisivo, a recorrer a Romário, que deitou e rolou. Resultado: não satisfeito em ganhar a camisa 9 da seleção e o coração da torcida, Romário resolveu escalar também o time, humilhando o técnico e criando profundo mal-estar com os companheiros, ao dizer, publicamente (e não desmentir) que Muller nunca deu certo na equipe nacional e que Edmundo, seu chapinha, desde os tempos do Vasco, deveria ser titular.
Ora, muita gente pode concordar com Romário, embora os fatos o desmintam, pois Muller nunca foi chamado como titular, desde a Copa de 86. Mas sempre ganhou a posição em campo, nos treinos ou nos jogos, graças a sua incontrolável velocidade e agressividade. Já Edmundo, quando chamado a mostrar suas cartas na Copa América, implodiu.
Isso não quer dizer que Edmundo, neste momento, ou quem sabe até a Copa, não possa ganhar a posição por seus próprios méritos. O que me preocupa –e certamente ao técnico Parreira– é que a declaração de Romário cria um clima malsão, que deixa o treinador no pelourinho: se preterir Muller, em benefício de Edmundo, ficará de quatro diante de Romário. Caso contrário, Muller terá de matar um leão por dia. E mesmo assim estará sob suspeita.
Ah, sim, há também quem puxe pela memória para argumentar que a atitude de Romário pode ter sido positiva, como em 58, quando Didi, Nilton Santos e Bellini teriam peitado Feola para escalar Garrincha no lugar de Joel, e deu no que deu: uma festa. A história que eu ouvi, várias vezes do dr. Paulo Machado de Carvalho, chefe da delegação, e de vários integrantes daquele time, não é bem essa. Ali, houve um jogo sutil de insinuações, ora um, ora outro, no ouvido do dr. Paulo, que, embora amigão, tinha temperamento explosivo e poria a correr com um pé no traseiro quem ousasse desafiá-lo. Dr. Paulo captou a mensagem e engendrou uma sofisticada trama para tirar Joel do time e abrir vaga a Garrincha. Qualquer dia desses conto os pormenores.
Aliás, não há registro na história do futebol brasileiro fato semelhante ao de Romário. Nunca, nem Fried, nem Zizinho, nem Jair Rosa Pinto, Gérson ou qualquer tradicional dono-do-time chegou a tanto.
Os tempos são outros, bem sei. Espero que eles nos sejam benfazejos, como foram outrora.

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