São Paulo, quarta-feira, 5 de janeiro de 1994
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Maria foi do ápice ao ostracismo em 20 anos

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Maria Martins foi a única brasileira escolhida por André Breton para participar da Exposição Internacional dos Surrealistas de 1947 em Paris. O movimento já degringolava, mas havia representantes históricos na exposição: Max Ernst, Miró e Yves Tanguy. Foi neste ano que Breton escreveu um texto sobre a escultora, até hoje inédito em português. Vinte anos depois Maria já havia sido esquecida no Brasil.
A mostra surrealista não foi sua única façanha como escultora. Expôs com Mondrian em 1943 e no ano seguinte foi elogiada pelo sumo-sacerdote da crítica norte-americana –Clement Greenberg.
O circuito de museus dos EUA dava urras a Maria. Suas obras foram parar no acervo do Metropolitan e do Brooklyn Museum de Nova York, da Corcoran Gallery de Washington, do Art Institute de Chicago e dos museus de arte moderna da Filadélfia, de San Francisco e de Boston.
O Brasil talvez tenha sido a caveira de burro enterrada na carreira de Maria. Ao voltar para o país no final de 1949, depois de viver em Paris, passou a aliar uma nova atividade à carreira de escultora: a de agitadora cultural. Foi Maria quem ajudou a criar dois museus que hoje abrigam duas de suas obras: o MAM do Rio e o de São Paulo (leia texto abaixo). Junto com Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccilo, levantou as duas primeiras Bienais.
"A Maria fez a Bienal. A Yolanda Penteado era a inteligência por traz do Ciccilo e a Maria Martins era a inteligência por trás da Yolanda", diz Fernando Milan, 69, que participou da Comissão do 4.º Centenário, encarregada de realizar a 2.ª Bienal (1953-1954), entre outras coisas. "Foi ela quem fez os contatos com os artistas da Europa e dos EUA. Era amiga de quase todos".
Nos anos 50, Maria continuou a ter prestígio junto às instituições. Ficou com o segundo prêmio de escultura na 2.ª Bienal, sua exposição de 1956 no MAM do Rio tinha textos do poeta e crítico Murilo Mendes, do poeta francês Benjamin Péret e o então presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) foi à abertura.
Mas era malhada pela crítica. "Da exposição de Maria Martins o melhor é a lírica introdução de Murilo Mendes", escreveu Pedro Manuel em 1956 no "Correio da Manhã", o jornal mais influente da época. "Tudo quanto é espiritual e elevado em Murilo se transforma em obsceno lascivo em Maria. O mistério da fecundação é repetidas vezes representado com satânicas alegorias infra-reais. O conteúdo da mensagem é sujo", sentenciava.
Maria foi condenada sem julgamento pela crítica brasileira por ser "embaixatriz, rica, grã-fina e só andar com ministros e embaixadores", segundo Milan. "Ela sofreu muito preconceito porque o chique na época era o artista passar fome. Era um esquerdismo meio bobo", diz Jayme Maurício, 67, colunista de artes plásticas do "Correio da Manhã".
Nos anos 60, quando a abstração tomou conta do mercado e o surrealismo virou mera curiosidade, Maria só tinha prestígio no meio artístico, segundo o marchand Jean Boghici, 65. Os artistas ficavam embasbacados com a coleção de Maria: dois óleos de Picasso, cinco trabalhos de Duchamp, um Matisse, um Modigliani, telas de Léger, Magritte, Matta, uma escultura de Brancusi, quase todos vendidos pela família.
Maria já foi incluída em quatro mostras da Bienal entre os anos 60 e 80, mas o melhor indicador de sua reputação é o mercado de arte. Roberto Marinho, presidente da Organizações Globo, comprou no ano passado uma escultura de Maria de dois metros de altura por cerca de US$ 25 mil. O valor mal dá para pagar o bronze e a fundição. (MCC)

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