São Paulo, quarta-feira, 5 de janeiro de 1994
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Os frutos da autonomia universitária

CARLOS VOGT

O discurso fundador da administração do professor Flávio Fava de Moraes à frente da Universidade de São Paulo, que tive a satisfação de ouvir e de ler em forma de artigo nesta Folha em 12 de dezembro de 1993, delineia bem o que pode vir fazer pela USP o experiente ex-diretor científico da Fapesp. Responsável que foi pela conquista do percentual fixo de 1% da arrecadação do ICMS no Estado para aquela modelar entidade –trunfo inequívoco da pesquisa paulista–, sabe o reitor da USP a importância que representa a autonomia de gestão financeira para o equilíbrio institucional e a cultura da racionalização nas três universidades públicas de São Paulo.
Quem viveu intensamente a experiência da introdução e da consolidação do projeto da autonomia –tive essa honra, primeiro como vice-reitor, depois na qualidade de reitor da Unicamp– sabe que a vida institucional das universidades estaduais paulistas se divide em antes e depois do decreto governamental que o instituiu em fevereiro de 1989.
Como se recorda, esse decreto estabeleceu um percentual de 8,4% do ICMS para as três instituições, cabendo 1,94% à Unesp, 2% à Unicamp e 4,46% à USP. O cálculo dessa divisão levou em conta a média orçamentária dessas instituições no período 1986-88, de acordo com a série histórica de cada orçamento. Note-se que, desde en2ão, foram encontradas soluções institucionais para todos os problemas que, em outras circunstâncias, teriam requerido o concurso do Estado, sendo praticamente nulos, no período, os movimentos de paralisação ou greve.
Mais recentemente, por iniciativa dos reitores, como aval explícito do governo do Estado e a aprovação da Assembléia Legislativa, fez-se uma correção de curso no projeto da autonomia, elevando-se para 9% o percentual atribuído às três universidades. A Unicamp, que na situação anterior era a segunda em volume de recursos, passou para o terceiro e último lugar, ainda que sua quota-parte subisse para 2,065%; a Unesp passou a receber 2,225% e a USP 4,730% do ICMS do Estado.
Sendo um instrumento de liberdade e de delegação de competência, a autonomia passou a exigir dos reitores, em contrapartida, um compromisso de alta responsabilidade na gestão dos recursos públicos que lhes são repassados regularmente.
Considerando-se que os últimos anos se caracterizaram por forte redução da atividade econômica, com a consequente e gradativa queda dos níveis de arrecadação, o quadro não foi exatamente de ampliação da receita. Muito ao contrário: só a Unicamp, nos últimos três anos, deixou de recolher um acumulado de US$ 150 milhões. O mesmo aconteceu com as duas outras universidades, em escala proporcional a suas quotas-partes.
Entretanto, mesmo nessa situação de perda de arrecadação, uma universidade como a Unicamp, segundo todos os indicadores de qualidade e produtividade universalmente reconhecidos, cresceu em tudo. Basta ver que, num quadro comparativo entre os anos de 1993 e 1989, seu número de alunos foi expandido de 12,8 mil para 18,7 mil, o número de cursos noturnos subiu de um para 14, o volume de projetos de pesquisa evoluiu de menos de 2.000 para 3.500 e o percentual de professores doutores saltou de 54,5% para 70% (dos quais 95% atuando em regime de dedicação exclusiva). Para demonstrar o forte crescimento de desempenho dos cursos de pós-graduação, basta um número: 42% do total de teses defendidas em toda a história da Unicamp o foram nos últimos três anos.
É certo que, para fazer frente à quebra orçamentária, a Unicamp ampliou de 300 para 800 a sua carteira de contratos e convênios com o setor empresarial, gerando recursos próprios da ordem de US$ 50 milhões através da prestação de serviços, do desenvolvimento de produtos e da transferência de tecnologia. Mas também isso representou um crescimento e, na verdade, tudo aumentou exceto um indicador: o número de servidores. De fato, o quadro foi enxugado em mais de 1.000 funcionários, dos quais 150 demitidos por justa causa, entre eles cinco docentes.
Por tudo isso, creio que as universidades estaduais paulistas são hoje exemplares e exemplificadoras de um sistema que funciona bem e adequadamente. Pode ainda funcionar melhor, sem dúvida. A depuração não termina aí e para que prossiga é preciso que se transforme em cultura a experiência da austeridade e do rigor com o trato do dinheiro público, de par com as práticas internas da democracia e do pluralismo.
A nova realidade, por si só, justifica e fortalece o empenho das universidades em empreender, no ano de 1994, o passo decisivo de seu projeto modernizante: transformar em lei complementar o decreto que lhes deu, em 1989, a autonomia de gestão financeira. O governador Fleury há muito já se mostrou favorável. Caberá à Assembléia Legislativa, mais uma vez, consolidar os feitos dessa conquista histórica.

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