São Paulo, quarta-feira, 5 de janeiro de 1994
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Trabalhar menos para que todos trabalhem

WALTER BARELLI

Os governantes estão descobrindo que o maior problema das próximas décadas chama-se emprego. Na origem do capitalismo, Malthus chamava a atenção para os problemas distributivos, advindos do crescimento desigual entre população e alimentos. Os neo-mathusianos introduziram a problemática do controle populacional no planejamento do futuro, principalmente para os países atrasados. Hoje, os países avançados, sem pressões diretas da dinâmica populacional, acordam para a dificuldade que a economia tem de criar postos de trabalho para todos os que queiram trabalhar.
O presidente dos EUA pensa em convocar uma conferência dos nove grandes para discutir "emprego". Isso mostra a sensibilidade dos estadistas acerca do futuro da humanidade. No caso brasileiro, já dissemos várias vezes que, neste momento, precisamos mais de um Ministério do Emprego do que de um Ministério do Trabalho. Com essa ótica, temos dado prioridade a iniciativas que venham a minorar o desemprego e os seus efeitos.
O Conselho Deliberativo do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) tem, em conjunto com as câmaras setoriais, transferido recursos para atividades criadoras de emprego no setor automotivo, na construção naval e na indústria de máquinas agrícolas. As medidas de salvação do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) procuram recuperar recursos para a construção civil, sabidamente multiplicadoras de empregos.
A discussão sobre os pesados encargos sociais e sua substituição visa estimular a abertura de novos postos de trabalho, em especial nas micro e pequenas empresas. As experiências-piloto de cooperativas de trabalho tentam aproveitar o potencial existente em comunidades de desemprego crônico para a exploração de atividades produtivas.
Instado pelos sindicatos, o Ministério do Trabalho trouxe à luz do dia a questão das horas-extraordinárias, excessivas em uma conjuntura de recuperação da atividade econômica. Através das negociações, o problema foi equacionado, com acordos entre sindicatos e empresas. Mas a realidade internacional leva-nos mais uma vez a discutir a questão da jornada de trabalho.
Na década passada, o movimento sindical passou a lutar pela jornada semanal de 40 horas, com o lema "trabalhar menos para que todos trabalhem". Essa luta chegou à Assembléia Constituinte que estabeleceu a jornada máxima de 44 horas, para a maioria, e a jornada de 36 horas para o trabalho em turnos ininterruptos.
Chama a atenção que essa proposta de origem sindical seja hoje a proposta de governos conservadores, caso da França, cujo Senado aprovou a semana de quatro dias, e de empresas, como a Volkswagen da Alemanha, que negocia com a Igmetall a redução da jornada de trabalho.
Sabemos que, no Brasil, a mera redução da jornada de trabalho não resolverá o problema do desemprego. As mudanças administrativas e tecnológicas levaram à destruição de mais de 2 milhões de postos de trabalho no governo anterior. No governo Itamar, conseguimos reduzir o desemprego de 15%, em outubro de 1992, para 13,8%, em outubro de 1993, mas ainda há muito a fazer, principalmente se começarmos a pensar no tamanho da população brasileira e nas características desse desemprego, cujo outro nome é fome.
Há medidas mais rápidas para incorporar a população ao mercado de trabalho. A mais efetiva é a reforma agrária, como provam os assentamentos feitos pelo Incra, principalmente o de Promissão, no Estado de São Paulo. Mas no Brasil, quando se parte para as medidas estruturais como essas, sempre cresce a resistência, pois emprego não é considerado um direito tão sagrado quanto outros.
É, portanto, salutar trazer à tona o que está discutindo na Europa para que os setores conservadores acordem para uma realidade que exige solução. Para que todos os que querem trabalhar, trabalhem, os estadistas devem sinalizar para reformas estruturais. Coloquemos esse tema em nossa agenda de planejamento estratégico, mesmo que seja por imitação do que ocorre no mundo desenvolvido.

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