São Paulo, quinta-feira, 6 de janeiro de 1994
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Filme serviria para propaganda aliada

MARCO CHIARETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

No dia sete de dezembro de 1941, aviões japoneses praticamente destruíram a frota norte-americana no Pacífico, ancorada em Pearl Harbour, no Havaí. Os EUA, depois de um histórico discurso de seu presidente, Franklin Delano Roosevelt, entraram em guerra contra o Japão e seus aliados no Eixo, Alemanha e Itália. O chamado "mundo livre" (que então incluía também a URSS) unia-se contra o nazi-fascismo. E o Brasil?
O país do futuro era neutro, "ma non troppo". No Departamento de Estado, em Washington, desconfiava-se de Getúlio, ditador com uma política em certos momentos próxima ao fascismo mussoliniano. Vargas, na verdade, preferia ficar de fora, ou aliar-se com os vencedores. A Argentina, por exemplo, era bem mais pró-nazi do que o Brasil. Welles foi mandado como uma espécie de embaixador cultural. Não foi o único. E ele gostava de Roosevelt e detestava os nazistas.
Sua chegada, em fevereiro, coincidiu com o aumento dos esforços diplomáticos norte-americanos para envolver a América Latina no confronto, do seu lado, a chamada política da "Boa Vizinhança".
E não era sem tempo. O começo de 42 era a época das vitórias de Erwin Rommel e seu Afrika Korps, e o Brasil era uma boa base para uma eventual ofensiva contra o norte da Africa (como afinal foi feito). Os japoneses massacravam os ingleses e norte-americanos no Extremo Oriente e a ofensiva alemã na URSS ainda não havia sido interrompida.
Não que o Brasil fosse decisivo, mas todo esforço valia. Verdade é que Roosevelt e Vargas pensavam em outras coisas, mais práticas e concretas, para dizer o mínimo, do que um belo filme. Volta Redonda, por exemplo, construída pelos norte-americanos. Ou o rearmamento das Forças Armadas brasileiras. Ou a compra de matérias-primas vitais, como a borracha. Mas a propaganda é a alma do negócio. E não é à toa que o tango argentino não entra na dança multicultural que era o eixo do filme de Welles (que incluiu o México, também). Buenos Aires não era confiável.
Mas quando o filme deixou de ser feito, em junho do mesmo ano, as coisas já estavam mudando. Essen e Colônia, na Alemanha, já haviam sido aniquiladas pelas bombas dos B-17 e dos Lancasters. O fôlego de Rommel acabava (El-Alamein, sua derrota, foi em julho) e os russos começavam suas contra-ofensivas na Criméia. E, principalmente, nos dias 3 a 5 de junho, nas ilhas Midway, no meio do Pacífico, uma frota dos EUA destruía os porta-aviões japoneses. A guerra mudava seu curso. No dia 22 de agosto de 1942, o Brasil declarou guerra ao Eixo. Saía Orson Welles e sua genialidade complicada e entrava Walt Disney e seus caros amigos. Mais fácil, mais prático e mais barato. That's life. (MC)

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