São Paulo, quinta-feira, 6 de janeiro de 1994
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Os desafios para 94

VICENTE PAULO DA SILVA

O ano de 94 promete mudanças profundas para nosso país e para os trabalhadores. A crise institucional, marcada pela corrupção desenfreada, aliada ao descontrole inflacionário, prometem agravar a situação econômica do Brasil no futuro imediato. No centro do cenário estará a troca do comando máximo da nação.
Diante desse quadro é importante que os trabalhadores se preparem para um ano difícil. Sem resistência, haverá mais impostos, mais recessão, mais desemprego. Do governo Itamar Franco até agora nenhum sinal de que se possa esperar alguma iniciativa para interromper essa rota de crise.
No setor automotivo, o quadro é um pouco diferente. Um balanço dos últimos 20 meses mostra que produção e salário cresceram e o emprego pelo menos está estabilizado, por conta do acordo da câmara setorial. Mas como ele depende de reestruturação interna, de políticas públicas e da saúde da economia como um todo, nossas perspectivas não são muito animadoras.
Um balanço desse acordo mostra que a produção cresceu nos últimos dois anos de 960 mil veículos produzidos em 91 para 1,073 milhão em 92 e 1,35 milhão em 93 (estimativa). Parte desta produção foi alcançada com base no acordo sobre o "carro popular", e inclusive sobre a volta do Fusca, que nada contribuiu para uma reestruturação real e efetiva do setor.
Nós sabemos também que o ritmo de crescimento da produção foi muito além da expansão do emprego. No ano de 1993, a expansão do emprego alcança 4,5%, enquanto a produção de autoveículos cresce 28%. Esta defasagem revela que o crescimento da produção foi alcançado com base no excessivo volume de horas extras.
Se esses são aspectos negativos, há ganhos que é preciso destacar. O reajuste mensal com 100% da inflação, conquistado na câmara setorial automotiva, virou importante bandeira do movimento sindical.
Quem sustentava que esse critério de reajuste automático, ao lado dos aumentos reais consagrados pelo acordo, iriam arrefecer a disposição de luta dos metalúrgicos errou redondamente. A campanha pelo abono deste final de ano é um exemplo. Greves, paralisações e assembléias, em dezenas de fábricas da região, garantiram a cerca de 100 mil trabalhadores da categoria um abono que representa para a maioria um verdadeiro 14.º salário.
É verdade que nossas discussões salariais se simplificaram. Mas, como prevíamos ao assinar o acordo da câmara, avançamos na politização de nossas lutas. Como poucas, nossa categoria engajou-se em campanhas como a luta contra a fome e em defesa do menor e da infância carentes.
No plano da nossa organização, criamos dezenas de novas comissões de fábrica, cipas e delegados sindicais. O mais importante avanço organizativo, no entanto, foi a unificação dos sindicatos metalúrgicos do ABC, consagrada na primeira quinzena de novembro com o 1.º Congresso dos Metalúrgicos do ABC. A iniciativa, já exemplar para todo o movimento sindical, foi possível também por conta do fôlego obtido com o acordo da câmara.
Mas, aos que nos acusam de corporativistas, vamos a outra informação importante para esse balanço. Números da própria Receita Federal, recolhidos pela subseção do Dieese de São Bernardo, mostram que, comparando-se o período de abril a outubro de 93 com o período de setembro de 92 a março de 93, a arrecadação total do setor (Cofins, IPI, e PIS/Pasep) cresceu 4,2%.
Se o saldo de todo esse balanço portanto é positivo para os trabalhadores e para o país, sem dúvida é preciso não perder de vista os desafios imediatos e a longo prazo que se apresentam ao setor.
Um deles é o descontrolado crescimento dos carros importados e a falta de uma política de incentivo às exportações. De 2,9% de participação no mercado em 91, os importados pularam para cerca de 6% em 93.
É preciso portanto, no âmbito da câmara, estabelecer critérios para as importações do setor, a exemplo do que foi acordado no segmento de tratores e máquinas agrícolas que assinou um acordo específico recentemente.
Por outro lado, é urgente retomar a discussão sobre o projeto lei de incentivos às exportações e sobre a decisão dos governos estaduais de recuperar gradativamente as alíquotas de ICMS, da mesma forma que é importante retomar a discussão sobre contrato coletivo. Embora esta discussão continue dentro de cada uma das montadoras, bem como em nível nacional, puxada pelo ministro Walter Barelli, dentro da Câmara ela está parada.
São esses, em resumo, os impasses e desafios que nos propomos enfrentar neste ano de 94. Para isso estamos levantando três bandeiras principais de discussão dentro da Câmara: a necessidade da apresentação e discussão detalhada dos projetos de investimentos em novos produtos e em ampliação da capacidade produtiva por parte da indústria, a negociação da jornada de trabalho (a questão das 40 horas) e os projetos de qualificação profissional.
Com essas bandeiras estamos certos de contribuir para que os trabalhadores metalúrgicos e o setor automotivo continuem apontando à economia uma saída de crescimento para o país em 94. Com mais emprego, um novo tipo de relação de trabalho na indústria, com mais democracia para o Brasil e com um sindicalismo mais forte e atuante.

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