São Paulo, sexta-feira, 7 de janeiro de 1994
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Volta ao passado

A aliança que acaba de ser acertada entre o ex-governador paulista Orestes Quércia e o ex-presidente José Sarney tem um indisfarçável cheiro de naftalina. Tanto um como outro, de fato, são representantes emblemáticos da prática política mais antiga e tradicional do país, baseada em relações personalistas e nos vínculos clássicos do fisiologismo. É um acordo, contudo, que merece atenção já que altera as relações de força dentro do que ainda é o maior partido do país (o PMDB) e pode ter considerável impacto sobre o cenário político nacional.
Quércia, de sua parte, vem tentando consolidar sua ressurreição política depois de ter-se afastado sob cerrado bombardeio de acusações de irregularidades. O ex-governador acumulou na sua carreira um rol impressionante de suspeitas e firmou entre a população uma imagem –justa ou injusta– totalmente contrária aos anseios de moralização.
Enfrentando oposição de setores do PMDB, Quércia foi à Executiva do partido apresentar sua defesa face a várias denúncias e busca agora apoio no bloco sarneyzista para reconquistar a liderança na agremiação.
Já para Sarney, a aliança com Quércia vem num momento de particular desconforto, após o embaraçoso fracasso da tentativa de conseguir espaço para sua candidatura presidencial –tanto no PMDB como em outras siglas sondadas. O acordo pode assim lhe preservar uma importância na agremiação que foi posta em risco com o desgaste dos últimos dias.
Seu histórico, nunca é demais lembrar, também revela um político adepto de velhas práticas nada memoráveis. Ao lado do escândalo envolvendo a ferrovia Norte-Sul, outra das marcas da sua estadia no Planalto foi a inglória batalha pelos cinco anos de mandato, ocasião em que foi acusado de distribuir concessões de rádio e de televisão com uma prodigalidade natalina.
A intenção declarada da aliança Quércia-Sarney é levar o PMDB para a oposição ao Planalto. A intenção real, porém, parece mais ser a de aplainar o caminho para que um dos seus autores saia candidato à Presidência. É um mero acordo de conveniências que dá novo alento e evidência para dois velhos caciques, símbolos de práticas que se quer ver banidas da vida política nacional.

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