São Paulo, quarta-feira, 12 de janeiro de 1994
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O Acácio e o déficit

ANTONIO DELFIM NETTO

O aspecto de maior importância no meritório esforço do ilustre ministro da Fazenda foi a criação de uma consciência nacional de que é preciso cuidar do déficit público. Haja o que houver, seja o seu programa um sucesso ou não, o Brasil meteu na sua cabeça dura que para terminar com a inflação é preciso eliminar o déficit. Foram precisos muitos anos para que os "experts" absorvessem a necessidade do amargo fel da austeridade!
O fato mais interessante é que a idéia-força é agora tão poderosa que ninguém ousa discuti-la. Se alguém tenta timidamente dizer que ela é condição apenas necessária, vem logo o desafio: "Apresenta um plano alternativo"!
Na situação presente, em que o governo não tem a menor credibilidade e devido à sua limitação temporal, não pode sequer engajar-se num programa sem arrependimento, a disciplina das contas públicas é uma necessidade, ainda que esteja longe de ser suficiente.
Por que, afinal, o déficit é um mal? Porque não podendo financiá-lo de forma conveniente (com uma dívida pública ordenada e a custos civilizados) ele tem que ser coberto pela emissão da moeda. Como o governo quer se apropriar de uma parcela do produto maior do que a voluntariamente concedida pela sociedade, ele a recolhe através do imposto inflacionário. Com um Orçamento equilibrado (inclusive pagando os juros), o governo não precisa nem aumentar a sua dívida nem emitir. E os preços deixarão de subir. A teoria é: sem déficit, nenhuma emissão. Sem emissão, nenhuma inflação!
O déficit, por definição, é o excesso das despesas sobre as receitas. Logo, como diria o Acácio do nosso Eça, ou se corta a primeira, ou se aumenta a segunda. Ou, mais sofisticadamente, se aumenta a despesa e se aumenta ainda mais a receita!
Mas e se o aumento de liquidez não for causado pelo déficit orçamentário e sim por outro fator (por exemplo, uma acumulação insensata de reservas)? Suponhamos um país em equilíbrio orçamentário, com uma dívida interna de 50, uma taxa de inflação nula e uma taxa de juros real de 6% ao ano. Por efeito de uma acumulação de reservas, a inflação de zero cresce, por hipótese, para 50%. Para financiar o novo estoque da dívida interna (que aumentará, por hipótese, em 30 unidades), a taxa de juros passa a 12% real. O que aconteceria está simulado abaixo:

Situação ISituação II
Receita120180 (50% de inflação)
Despesa não117176 (50% de inflação)
financeira
Superávit34
primário
Juros-3 (6% s/50)-13 (12% s/105)
Déficit0-9

Foi o déficit que causou a inflação, ou foi a inflação que causou o déficit? E simplesmente eliminar o déficit eliminará a inflação? Qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência. De qualquer forma, saudemos a boa nova de que é preciso acabar com o déficit!
Mas seria preferível cortar as despesas e não aumentar os impostos. A sensação que temos é de que se tenta aumentar as despesas e aumentar ainda mais as receitas, fazendo crescer a participação da União no PIB.

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