São Paulo, quarta-feira, 12 de janeiro de 1994
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As Forças Armadas e a democracia

JOSÉ GENOINO NETO

Nenhum segmento da sociedade certamente está satisfeito com o desempenho das nossas instituições, particularmente, quando se sabe que setores políticos e empresariais adotam a prática de pilhagem do Estado. É justo, portanto, que todos manifestem suas preocupações e lutem para superar as dificuldades e combater a corrupção. O problema consiste em quais os caminhos que se aposta e quais os meios que devem ser utilizados. O Estado de Direito estabelece as regras do jogo político, as funções para cada organismo do Estado e os limites legais do comportamento político dos agentes sociais.
Os problemas salariais, os problemas de equipamentos e as dificuldades orçamentárias das Forças Armadas são problemas comuns a toda a sociedade brasileira, são inerentes ao nosso atraso econômico e social e à precariedade do funcionamento das instituições democráticas. Não há solução para esses problemas fora da construção democrática, entendida no sentido amplo de democracia política, econômica e social. A solução dos problemas das Forças Armadas deve merecer a atenção dos poderes civis e deve ser pensada no bojo das soluções dos problemas da sociedade como um todo e a partir de uma visão ampla de uma política de defesa para o país.
Os nossos problemas sociais, o nosso atraso econômico e tecnológico e os próprios problemas das Forças Armadas não são produtos da democracia. Pelo contrário, são produtos da forma autoritária do exercício do poder. Apesar do contexto e das peculiaridades históricas diferentes, as histórias recentes da América Latina e do Leste europeu guardam pontos de contato com esta afirmação: não há soluções autoritárias para os problemas do atraso econômico e tecnológico. Somente os países que optaram pela democracia no pós-guerra conseguiram enfrentar de forma equilibrada os problemas que são inerentes a qualquer sociedade.
A história recente da América Latina, do Leste europeu e da ex-URSS constitui um testemunho cabal desta afirmação. Lá, desenvolveu-se uma tecnologia inteiramente voltada para a utilização militar na pressuposição de que a solução dos problemas internos e mundiais estava na força militar. O legado do autoritarismo de direita e de esquerda foi a estagnação econômica e graves crises sociais. Somente os países que optaram pela democracia, no pós-guerra, conseguiram enfrentar de forma equilibrada os problemas que são inerentes à qualquer sociedade.
Os dilemas do nosso país, em larga medida, dizem respeito à ausência de um projeto de Estado e de um projeto de desenvolvimento para o país. O projeto de Estado é uma tarefa que deve ser comum à todas as forças democráticas e diz respeito à configuração institucional e constitucional do Estado.
Se é verdade que a Constituição de 88 avançou nesse processo, o fato é que ele ainda está incompleto. A formulação de um projeto de desenvolvimento é de responsabilidade de cada partido político que pretenda ser governo. A sociedade, através das escolhas democráticas, através de erros e acertos, indicará qual o caminho que quer seguir. Em qualquer projeto que se pretenda sério, as Forças Armadas devem estar situadas como uma instituição importante, e a política de defesa como algo necessário e fundamental.
Outra lição importante que a história recente nos deixa é que todo o processo de politização das Forças Armadas tem levado ao seu enfraquecimento. Isto porque a politização leva a um desvio funcional, leva ao desempenho de tarefas que não são específicas dos militares num Estado democrático. Se há um caminho que os militares devem seguir para o enfrentamento de seus problemas, ele implica na elaboração, junto com o Congresso, de uma política de defesa que situe qual a função das Forças Armadas, que intensifique a sua profissionalização e que estabeleça qual a sua participação no Orçamento.
A valorização salarial e as exigências de sua equipagem tecnológica devem ser encontradas no interior do Estado de Direito democrático, e de acordo com as possibilidades e carências do país, com a eliminação dos resquícios de tutela e autonomia militar sobre o poder político legítimo e sem a pretensão salvacionista que frequentemente alguns militares expressam.
As manifestações que tentam estimular caminhos antidemocráticos para as Forças Armadas buscam manter o status quo e usar a força para a defesa de privilégios. Temos que romper com essa tradição de setores das elites que não apostam na democracia e não assumem os riscos do jogo democrático.
A necessidade de um diálogo democrático do Congresso, dos partidos políticos e de outros setores da sociedade com as Forças Armadas nada tem a ver com apelos a pronunciamentos políticos de militares ou à incitação da busca de atalhos autoritários e nem tampouco uma relação de aliança política. A neutralidade político-partidária e o respeito constitucional na função das Forças Armadas é um princípio para nossa construção democrática.

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