São Paulo, quarta-feira, 12 de janeiro de 1994
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O segredo militar do PT

ROBERTO LOPES

A história militar está repleta de exemplos. Muitos foram os planos secretos que, tocados abaixo da superfície, na quietude dos gabinetes inacessíveis, terminaram denunciados, à última hora, por alguma tolice: um gesto inusitado, uma palavra indiscreta, um passo mal dado.
A "vivandagem" (copyright Elio Gaspari, na revista "Veja") da cúpula petista nos quartéis, na primeira semana de dezembro, foi um desses passos mal dados, que jogou luz sobre as sombras.
É injusto responsabilizar exclusivamente o deputado Aloizio Mercadante pelo desastre. Há meses que José Genoino não tem feito outra coisa. Petistas ingênuos (ou cínicos) vêm condenando Mercadante e Genoino por eles terem ido aos militares supostamente buscar apoio para o trabalho da CPI do Orçamento. Mas o plano é muito, muito mais profundo. E deveria ser absolutamente secreto.
Há meses que o círculo petista mais diretamente ligado ao candidato presidencial Luiz Inácio Lula da Silva vem tentando cooptar os militares para o seu projeto de poder. Enganam-se portanto os militantes do PT que, por desconhecerem o planejamento dos estratos superiores de seu partido, o tom das conversas sigilosas entre petistas e militares, ou por insistirem em respirar somente o ar stalinista de seus redutos paulistanos, ainda supõem que a cúpula petista trabalha apenas no sentido de tornar Lula aceitável para os quartéis.
O candidato sabe muito bem que toma posse. Mercadante sabe. Genoíno sabe. O que eles discutem, agora, com os militares, é o que fazer depois da posse. E, de maneira muitíssimo sutil, onde é que os militares poderiam ajudar... depois da posse.
A conversa dos petistas para os militares é a da "purificação" da sociedade brasileira. A da depuração dos quadros administrativos do país, da renovação dos métodos, da eliminação da roubalheira, do redirecionamento das prioridades, da redução (se possível, até o fim) dos desníveis, das desigualdades, em suma, a das mudanças estruturais.
Para reforçá-la, os petistas e seu cidadão acima de qualquer suspeita, senador Bisol, vêm proclamando, do tribunal da CPI do Orçamento, a degradação dos costumes, a desmoralização de repartições governamentais, a podridão que se acumula na vida pública brasileira, as suspeitas que cercam os três Poderes. No tribunal da CPI, Mercadante inquire, aperta, encurrala, troveja e, finalmente, gira o polegar para baixo.
E os militares? Vão eles cooperar com a inquisição do PT? Parecem eles seduzidos por essa perspectiva de "purificar" o país, em conjunto com Lula e seus centuriões? Ninguém sabe.
Os principais chefes militares dão a entender que compreendem perfeitamente duas coisas: 1) a impossibilidade de o PT aprovar qualquer medida em um Congresso francamente dominado pela centro-direita; 2) a impossibilidade de o presidente Lula escapar a uma avalanche de contestações dos stalinistas, sempre que as bancadas minoritárias do PT na Câmara e no Senado, tiverem que compor com qualquer corrente política mais à direita, mesmo que seja para aprovar uma medida do interesse do Executivo petista.
Esse, o drama.
Face a ele, Lula, Bisol, Mercadante, Genoino e alguns outros centuriões parecem encarar o antigo pesadelo do golpe militar com hipótese de trabalho.
O Brasil já assistiu esse filme –a esquerda reformista e minoritária buscando o respaldo militar para governar. Aconteceu no princípio dos anos 60, e deu no que deu.
É certo que o cenário internacional agora é outro, e que alguns integrantes do círculo íntimo de Lula possuem um verniz diferente –mais brilhante talvez. Contudo, também parece certo que o processo "purificador" do PT fará muitas vítimas inocentes. Como, aliás, já vem fazendo. Não se trata aqui de lembrar como vazam os documentos confidenciais da CPI, ou os empurrões de que se utiliza o deputado Mercadante para abrir espaço atrás da mesa diretora dos trabalhos dessa comissão, sempre que seu presidente, ou o relator, estão fazendo um anúncio para a imprensa. O estrelismo, a vaidade desses inquisidores modernos configura, talvez, o menor de seus defeitos. Graves mesmo são seus métodos.
Qualquer estudante de economia em um país terceiro-mundista como o Brasil sabe que a corrupção na máquina oficial deriva essencialmente do papel dominador que o Estado desempenha na vida dessa nação. E que uma das formas de reduzir e controlar essa atividade espúria é diminuir o tamanho do Estado. Um método sem os holofotes dos tribunais, sem os berros do inquisidor, sem polegares para baixo. Com menos vítimas inocentes.
Mas estará o PT disposto a tornar mais leve e simples a vida do cidadão? Ou o que o partido vai fazer é ampliar a nomenclatura? É acrescentar, aos 20 mil cargos de primeiro escalão já existentes, mais 10 mil?
Essas dúvidas não são apenas minhas. Os militares, deputado Mercadante, também as têm.

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