São Paulo, sexta-feira, 14 de janeiro de 1994
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Mateen quer dizer 'wonderful evening'

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em New York, telefonei para a empresa Tel-Avis pedindo um carro. "Qualquer coisa, menos uma limousine", pedi. E qualquer coisa foi o que veio. Um carro com três portas. A quarta, enguiçada para sempre. O motorista era o Peter Sellers disfarçado de indiano. Pele mate, sorriso simplório-pestanudo, "cool", até onde pode ser um chauffeur nova-iorquino.
Sabia onde encontrar facas para cortar tomates maduros e prensas para fazer tortillas. E o que não sabia, aprendia logo com as Páginas Amarelas e um orelhão. O seu inglês era ótimo, mas sobravam-lhe as letras "v", que além de serem espalhadas ao léu, substituiam os "w". "Vud you vant a cup of tea?" Fomos nos entendendo tão bem que ele me convidou para uma "vauthentic vindian meal", uma autêntica refeição indiana, com sua família. Infelizmente não foi possível, mas Mateen, o nome dele era Mateen, não desanimou.
Finíssimo de modos e de alma pediu a honra de me mostrar um naco da India em Nova Iorque, num almoço rápido. "Very real thing. Vonly Indians." E era mesmo. Um bandejão ou "vast vood" numa esquina da Lexington, com mulheres de sari e pinta na testa. Fui instalada na mesa de fórmica número dois, no Shaheen Restaurant, e ele, com ares de nababo foi conferenciar com a dona do negócio.
Logo depois chegaram os pães, ainda estufados (chapatis) e pakoras de legumes, fritas na hora. A um sinal da mulher, ele me deu precedência no caminho das bandejas. Arranjei-me com um curry de galinha e um ensopado de grão de bico (dal), enquanto ele se serviu de uma exagerada porção de cabrito. Comia, balançando a cabeça, triste. –"Vit is not vi same thing.! Vat home is much better!". Acreditei. Acabada a refeição, pagou US$ 12, escondendo a conta com a mão em concha, e –com todo respeito– quis que eu conhecesse a casa ao lado: Kalustyan's.
Parecia uma caixa de especiarias pegando fogo. Cheiro de garam masala (que preparam lá mesmo), amêndoas e nozes assadas, amendoins, sementes de melão persa, mostarda preta, lentilhas de todas as cores, chutneys de manga verde, folhas de betel para mascar, ouro em folha para grudar na comida de festa. De enlouquecer. Fui para o carro carregada de pacotes, já pensando na alfândega. Claro que errei de porta. A cara de mágoa de Mateen, a cada vez que eu parava em frente da porta quebrada, era um estudo de humildade ofendida.
O indiano mais simpático de Nova York, aprontou uma última surpresa. Pediu licença, demorou um pouquinho e voltou do Kalustian's com uma toalha de papel que estendeu no banco de trás. Pôs em cima uma bandeja de doces –"I vant to introduce vyou to our sveets". "Quem come estes doces se converte a eles. Viciam", disse ainda. Meu Deus! Fiz como ele mandou. Dei uma mordida em cada um e mastiguei bem, com os olhos fechados, saboreando. Eram incrivelmente doces como calda de melado, ou azedos como tamarindos, ou doces e azedos ao mesmo tempo. Tinham gosto de tudo, India, Turquia, Brasil.
"Thank vyou, Mateen, for such a vonderful Indian party". Relendo o que escrevi, parece que estou rindo de Mateen. Nunca. Era um gentleman de verdade.

SERVIÇO: Arif Mateen - P.O. Box 300-588, Brooklyn NY, 11230 New York USA, Telefone 718-645-3060. Kalustyan's - 123, Lexington avenue. Shaheen Restaurant - 99, Lexington avenue.

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