São Paulo, sábado, 15 de janeiro de 1994
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Werner Herzog dá sua versão do alucinado apocalipse de Sadam

LUCIA NAGIB
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Documentário: Lessons of Darkness
Direção: Werner Herzog
Quando: amanhã às 17h e segunda à 0h
Onde: GNT da Globosat

O cinema metafísico de Werner Herzog pode dar voltas, mas sempre volta para os grandes mitos, como a criação e a destruição do mundo. E assim como, em seus filmes, a megalomania wagneriana se une à angústia da pequenez do homem no universo, a criação se equipara à destruição: um caos primordial ao qual o homem lança um olhar perplexo.
Para captar suas "imagens nunca vistas", Herzog costuma correr atrás de grandes desastres. Em 1976, filmou o vulcão "La Soufriére", na Martinica, momentos antes de uma grande erupção, e para "Fata Morgana" (1967) percorreu as grandiosas devastações do deserto do Saara.
O megalômano Sadam Hussein e sua alucinada guerra do Golfo Pérsico constituíram, portanto, um prato cheio para Herzog, que não perdeu tempo em instalar sua câmera sobre os poços de petróleo antes, durante e depois dos bombardeios. O filme resultante, "Lessons of Darkness", a ser transmitido amanhã pelo GNT, um dos canais da Globosat, é a visão de um formidável apocalipse, anunciado segundo a fórmula de Blaise Pascal: "O colapso dos sistemas estelares acontecerá –como na Criação– em grandioso esplendor".
As imagens que se seguem, embora tomadas em locação, mal podem ser chamadas de "documentário". Não se dá qualquer informação sobre o local ou os personagens enfocados e nada se explica sobre a guerra e seus mandantes. Ao som de Wagner, Grieg, Schubert e Mahler, e com um uso generoso de câmera lenta, lentes coloridas e granulação, o espectador deve receber um impacto sensório das imagens, sem interferência da razão.
Toda comunicação tornou-se impossível. Seres vestidos como astronautas em meio a chamas gigantescas e fumaça negra fazem gestos incompreensíveis para a câmera. Uma mãe, que viu seus dois filhos serem torturados e mortos, balbucia rúidos sem sentido. Um menino, que teve a cabeça pisoteada por um soldado, desde então se recusa a falar. Uma cidade aparece, em tomadas aéreas, com suas casas, ruas e carros. Nas imagens seguintes vê-se uma "chuva de estrelas", na verdade bombas que em segundos transformam a cidade num deserto. Depois, é o mar negro de petróleo, que parece cobrir a face da Terra.
O narração "off" do próprio Herzog, salpicada de citações bíblicas, quer, sim, alertar para a loucura autodestrutiva dos homens –mas sua solenidade quase ingênua não aponta qualquer caminho para se escapar disso.

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