São Paulo, sábado, 15 de janeiro de 1994
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Mudanças sem casuísmo

Boa parte da crise em que o país se encontra tem raízes num sistema político viciado e retrógrado, que perpetua odiosos esquemas de exploração das classes mais baixas. Nesse sentido, a perspectiva de a revisão constitucional começar pelas reformas políticas traz a oportunidade de o Brasil finalmente começar a modificar uma situação intolerável.
Não será, certamente, uma tarefa fácil. Além de tratar de uma série de assuntos polêmicos, o Congresso terá de enfrentar formidáveis interesses eleitoreiros, traduzidos nos casuísmos que vêm sendo propostos nos últimos dias. Um deles quer alterar o prazo de desincompatibilização, o que evidentemente beneficia uma casta de políticos hoje lotados no Executivo. Outro pretende permitir que governadores, prefeitos e até o presidente possam reeleger-se já este ano. Trata-se de uma tese correta, desde que adotada apenas para as eleições de 1998 –as regras do jogo têm de estar definidas antes de se iniciá-lo.
Mas a tarefa do Congresso Revisor não se limita a repelir esses casuísmos inaceitáveis. Entre as principais mudanças que se fazem necessárias destacam-se a adoção de regras de fidelidade partidária mais rígidas, o fim das distorções na representação das bancadas e o da obrigatoriedade do voto.
Se hoje a fisiologia e a própria corrupção pervertem o ambiente político nacional, isso se deve, em grande parte, à completa tibieza ideológica dos partidos. Como os políticos não estão obrigados a atuar segundo plataformas democráticas estabelecidas por suas agremiações, encontram espaço para agir a seu bel-prazer, atendendo a interesses escusos, o que no mais das vezes implica a participação em esquemas corruptos. Fortalecer os partidos e forçar os políticos a agirem de acordo com idéias e não interesses duvidosos é uma condição indispensável.
Um pouco de respeito à equidade representativa basta para garantir a necessidade de que o voto de todos os eleitores do Brasil tenha o mesmo peso. Não é o que ocorre hoje. O estabelecimento de teto e piso para as bancadas dos Estados na Câmara faz com que os votos dos cidadãos das unidades federativas mais populosas tenham menor valor, uma distorção que precisa ser corrigida sem que para isso seja necessário aumentar o contingente de deputados. Sobretudo quando o país já dispõe de uma Casa, o Senado, em que todos os Estados estão igualmente representados, independentemente do número de eleitores.
Por fim, é preciso acabar com o absurdo que representa o instituto do voto obrigatório. Trata-se de um atentado contra as liberdades individuais que apenas contribui para garantir a alguns políticos o seu curral eleitoral.

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