São Paulo, sábado, 15 de janeiro de 1994
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Um modelo que deu certo

FLAVIO FAVA DE MORAES

Erramos: 19/01/94 Foi publicada incorretamente as informações biográficas do professor Flávio Fava Moraes. Ele não é mais diretor científico da Fapesp, cargo que ocupou de 1985 a 1993. Desde 20 de dezembro último, o diretor científico da Fapesp é o físico José Fernando Perez.
SIM
Sou favorável ao ensino superior público e gratuito. Digo isso com a plena tranquilidade de quem, juntamente com a maioria de meus contemporâneos na USP, que hoje formam o cabedal humano de nossa universidade mais importante, não teria podido pagar o custo integral do ensino. Ou, se pudesse pagar tal custo, não sobrariam recursos para cobrir todas as despesas inerentes, inclusive material e equipamento, sem falar em transporte e moradia, tão essencial para quem vem estudar na capital e leva a universidade a sério, com todas as suas consequências de aprendizado e pesquisa.
Ou seja, antes de entrarmos em considerações éticas ou políticas a respeito do direito ao ensino, devemos admitir que a universidade paga teria impedido ou, pelo menos, fortemente dissuadido de ingressar no ensino universitário uma parte de todos aqueles que hoje fazem da USP a maior universidade brasileira e uma das boas universidades existentes em todo o mundo.
Como todos esses cientistas, intelectuais, profissionais e artistas ingressaram na universidade mediante concurso público muito competitivo, pode-se inferir que aqueles que não pudessem pagar teriam sido substituídos por outros mais ricos, mas talvez menos capazes, ou simplesmente teriam deixado suas vagas em aberto.
Resta saber se um país como o Brasil poderia dar-se o luxo de recrutar sua elite universitária apenas entre os mais ricos, desperdiçando a imensa maioria dos talentos que batem às portas da universidade. Ou se, ao contrário, e tomando o exemplo de todos os países que se modernizaram rapidamente nas duas últimas décadas, seria mais racional tratar os gastos com ensino como o investimento estratégico mais decisivo para o desenvolvimento do país, e não como despesa de consumo ou assistência social.
Antes de quaisquer outras considerações, portanto, seria preciso admitir que o ensino universitário público e gratuito, sobretudo nos países mais pobres, é a maneira mais econômica de recrutar os talentos essenciais para viabilizar o crescimento nacional. E que, ao contrário do que muitas vezes se apregoa, somente países muito ricos podem dar-se o luxo de esterilizar uma parte significativa de seus cérebros, apenas porque não fazem parte da elite econômica da sociedade.
Mas também não podemos ignorar as considerações de natureza ética. A educação é um dever social inerente à condição humana, que compete essencialmente às famílias cumprir, mas que elas já não têm condições intelectuais, sociais e econômicas de satisfazer integralmente nas sociedades mais complexas. A sociedade, ao criar exigências crescentes de ensino formal, criou também, para si mesma, o dever de proporcionar condições sociais que tornem viável, para um número crescente, chegar ao ápice da formação, isto é, à universidade.
Este Estado tem a ventura de ter dedicado, desde 1934, um imenso esforço à criação da Universidade de São Paulo que, por ser pública e gratuita, não é menos comparável a boas universidades em todo o mundo. Para que mexer num modelo que deu certo?

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