São Paulo, sábado, 15 de janeiro de 1994
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Direitos e obrigações

EM TERMOS

JOSÉ GOLDEMBERG

A idéia de que a universidade pública deve ser gratuita é uma das utopias consagradas pela Constituição brasileira. Ela foi copiada de países ricos como a França, que tem uma população estável, e onde o ensino primário e secundário é universal, obrigatório e de boa qualidade. Mais ainda, a universidade é aberta no sentido de que qualquer estudante que terminar o curso secundário tem acesso automático à universidade.
Nenhuma dessas condições é válida para o Brasil, onde o poder público (municípios, Estados e União) mal consegue manter funcionando a escola primária e onde praticamente desistiu de manter a rede secundária, que é predominantemente privada. Além disso a população cresce mais de 2% por ano, ou mais de 3 milhões de jovens em idade escolar por ano.
As universidades públicas brasileiras são muito dispendiosas: o poder público como um todo gasta 300 dólares por aluno no ensino básico e 8.000 por estudante universitário. Existem 25 milhões de crianças no ensino fundamental e menos de 400 mil jovens em universidades públicas. O restante –mais de um milhão– frequenta universidades privadas e trabalha para estudar (em geral à noite).
Conclusão: a universidade pública no Brasil atende uma elite. É por isso que existem exames vestibulares que na realidade fazem uma seleção dos alunos em base à sua condição sócio-econômica. São os mais ricos, que puderam frequentar escolas particulares (e cursinhos), que passam neles. A utopia da universidade pública e gratuita só teria sentido se o governo pudesse atender a todos, como a França, o que não é o caso. Pior que isso, os privilegiados que estão em universidades públicas exigem não só ensino gratuito mas serviços de saúde, alimentação e transporte subsidiados, tornando certas universidades enclaves onde a população interna recebe serviços que toda a população almeja receber mas não consegue.
A justificativa para a universidade gratuita em países em desenvolvimento é de que ela produz pessoal qualificado que tem um efeito multiplicativo em melhorar a sociedade. Esta justificativa é correta, mas não significa que os que possam pagar não paguem como é o caso da Inglaterra e Estados Unidos. Os que não podem pagar nestes países recebem bolsa de estudo ou subsídios do governo. Pelos serviços que não são relacionados diretamente com a educação, todos pagam igualmente.
Por essas razões a meu ver a autonomia das universidades públicas prevista na Constituição deveria permitir que elas estabelecessem seus próprios sistemas de remuneração, cobrança de serviços, e mensalidades e bolsas de estudo, sem o que esta autonomia só garante direitos e privilégios e não obrigações. Isto não eliminaria a possibilidade dela ser gratuita, mas não indiscriminadamente gratuita como é hoje.

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