São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 1994
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Iugoslavo ironiza o calendário brasileiro

BOB FERNANDES
ENVIADO ESPECIAL A ÁGUAS DE LINDÓIA

O iugoslavo Dusan Drascovic gosta de de ser chamado de "Drasco". Aos 54 chega ao Brasil, depois de quase seis anos dirigindo a seleção do Equador, para dirigir o Bragantino, da família Chedid, no Campeonato Paulista.
A seleção equatoriana estava na chave do Brasil nas eliminatórias da Copa dos Estados Unidos, mas foi desclassificada.
Dono de uma empresa de exportação e importação em seu país, economista, como a mulher e uma filha –o filho é estudante secundário– não teme enfrentar a inflação de 40% ao mês. "Lá, é 100% ao dia", referindo-se a atual situação econômica da Iugoslávia.
Concentrando com o time de Bragança no hotel Vacance, em Águas de Lindóia, interior de São Paulo, tendo ao lado ora o preparador físico Luiz Carlos Prima, o supervisor Arnaldo José, ou o médico Rodney Pereira, Drasco falou à Folha.
Para Drascovic, o 4-5-1, com variações sempre conduzidas pelos jogadores que chama de "polifuncionais", será o esquema tático da Copa dos Estados Unidos, que começa em junho deste ano.
O Brasil, segundo ele, "se tiver tempo" pode formar cinco seleções com condições de disputar o título.
Com ironia, observa o calendário verde-amarelo: "É único no mundo. Felicito. É uma coisa a se estudar".
Instado a comentar o time de Parreira e Zagalo, diz: "Como posso falar de quem me venceu?". Mas deixa escapar o que pensa. Na cabeça do treinador ou no papel, o esquema tático pode ser ofensivo. Mas não o será, na prática, "se não houver determinação para vencer".
Folha – Esta região não lhe traz recordações?
Drasco – Sim. Me lembra a minha Iugoslávia. 70% da minha terra é igual a esta região.
Folha – De onde, precisamente, o sr. é?
Drasco – Nasci na Bósnia, meus pais são de Montenegro. Meu pai viveu na Argentina de 1902 até 1914, quando voltou, antes do início da Primeira Guerra, para defender Montenegro e Sérvia contra o Império austro-húngaro. Vivi na Bósnia até as vésperas da 2.ª Guerra, quando voltamos a Montenegro. Depois da Guerra fomos para a província de Vojvodina, ao norte da Sérvia. Lá, aos 15 anos, comecei a jogar futebol na cidade de Subótica, no Spartak.
Folha – O Vojvodina não foi a equipe de Boskov?
Drasco – Exatamente. Foi lá que Boskov, ex-diretor técnico da Sampdoria e da Roma, jogou toda a vida. Foi meu último clube na Iugoslávia. Pouco antes da Copa de 82, numa viagem de estudos, Telê Santana nos visitou.
Folha – Telê é um grande treinador? Quem são os grandes?
Drasco – Os títulos que Telê ganhou e as equipes que construiu respondem a esta pergunta. Rinus Mitchel revolucionou o futebol no Ajax, na seleção holandesa. Aqui mesmo na América do Sul a Argentina teve Cesar Menotti e Bilardo. E, queiram ou não, foi Feola que montou a maior seleção de todas as Copas, a que maravilhou o mundo em 1958.
Folha – O sr. é um formador de jogadores?
Drasco – Não sei, mas assim tem sido.
Folha – Que títulos o sr. ganhou?
Drasco – Eu nunca treinei os grandes times iugoslavos, a não ser o Vojvodina por duas vezes, e são os grandes que sempre vencem os campeonatos. Mas formei jogadores campeões. Apenas no Vojvodina eu formei mais de 40 jogadores para todas as categorias das seleções iugoslavas.
Folha – O sr. enfrentou a seleção brasileira nas eliminatórias. O que achou da equipe?
Drasco – Fortíssima. A princípio, o corpo técnico recebeu jogadores lesionados, desgastados pelo final da temporada européia. Quando subiu o preparo físico, quando a equipe necessitou vencer, venceu. Vocês tinham o Dunga, há anos na seleção e, de repente, aparece Mauro Silva, este jogador extraordinário. E Zinho, com enorme habilidade, e Branco, Ricardo Gomes, Raí, Jorginho, todos acostumados a ganhar títulos. Tem o Bebeto na frente com o Muller e, quando você imagina que acabou, lá vem o Romário.
Folha – E agora?
Drasco – Um mês é muito pouco para treinamento mas, pelo menos, agora os jogadores virão no começo da temporada, virão já em forma.
Folha – Sabemos que o sr. é, mais do que admirador, um estudioso do futebol brasileiro. De que forma isto, na prática, lhe tem sido útil?
Drasco – Todos jogadores que treinei sabem quem é Tostão, o melhor atacante da história do futebol para manter uma bola, organizar o jogo, fazer a tabela. E Rivelino? Sabia manter a bola, tocar de primeira, lançar e chutar tudo aquilo. Ao ensinar dribles, eu falo de Rivelino. Dribles inacreditáveis. O que vocês chamam "elástico" é o que ele, passando o pé por cima da bola sem tocá-la, deslocava o zagueiro ao mesmo tempo em que ficava em posição de chute. Fantástico. No Equador eu me valia muito dos dribles de Garrincha, tão simples e tão belos. E também das cabeçadas de Spencer, equatoriano que jogou no Pe¤arol, maior artilheiro da Libertadores com 54 gols.
Folha – Não lhe parece que as últimas seleções brasileiras têm sido excessivamente cuidadosas?
Drasco – Totalmente de acordo. Mas temos situações no futebol. Tive uma geração no Spartak que era mais forte, outra, mais romântica. 'As vezes nasce uma geração que só vai se repetir 30 anos depois. A melhor equipe da história do futebol europeu, o Ajax de Cruiff, teve nove jogadores nascidos na mesma rua de Amsterdam. Telê Santana teve aquela geração em 82 e 86. E vocês fizeram uma grande partida em 90, apenas faltou sorte contra a Argentina.
Folha – O Brasil já não teria, hoje, jogadores para formar uma seleção mais afirmativa, mais agressiva?
Drasco – Penso que, se o corpo técnico tiver tempo, o Brasil tem jogadores para formar cinco seleções e todas em condições de ser campeã do Mundo. O Palmeiras é o campeão, uma seleção. O São Paulo é campeão do mundo, outra seleção. Mas não é correto fazer uma análise profunda de uma situação que só conheço superficialmente. Não posso e nem devo. O treinador do Brasil ganhou três dos quatro pontos que disputou contra minha equipe. Eu vou dizer o que? Criticavam o Lazaroni dizendo ter o Brasil jogado muito defensivamente.
Folha – E não foi assim?
Drasco – Ele jogou o 3-5-2, que é a resposta contra o 4-4-2 iniciado na Europa em 76, 77, e que morreu em 84. Três zagueiros, com um deles de líbero, cinco volantes polifuncionais e dois avantes mais fixos. Assim jogaram os latinos. Itália, Espanha, Portugal, e também Holanda, Bélgica, todos que tinham jogadores rápidos e explosivos. Há agora uma nova resposta a isto.
Folha – Que é o 4-5-1?
Drasco – É isto. E mais ofensivos ainda.
Folha – Por que os laterais apóiam todo o tempo?
Drasco – Exato. E quando avançam os cinco polifuncionais do meio são sete no ataque, que terá oito com o avante fixo.
Folha – Sim, mas é preciso atacar de fato e não apenas no papel ou no discurso.
Drasco – Se não existir esta determinação, se terá uma equipe na defesa, já derrotada.
Folha – Como vai jogar o Bragantino?
Drasco – Depende de como vamos nos preparar, dos jogadores que teremos, e um pouco de como jogarão os adversários. O Bragantino é uma família, a atmosfera da cidade é muito boa, o grupo é. Me parece que será um time com alguns jogadores capazes de exercer várias funções.
Folha – No seu time jogaria Dunga ou César Sampaio?
Drasco – Como eu posso dar conselhos a um técnico que me venceu?
Folha – Não lhe parece muito um time jogar cem partidas num ano?
Drasco – Sim. Mais de cem, pois há jogadores que jogaram 110. Isto não existe no mundo. Felicito. É uma coisa a se estudar. Estou contente por estar com vocês, poderei ganhar esta experiência.
Folha – Qual sistema dominará a Copa?
Drasco – Teremos uma Copa mais dos polifuncionais do que dos especialistas. Melhorou a preparação física, diminuem os espaços, as equipes vão variar, de acordo com os jogadores que tenham e as circunstâncias.
Folha – Gerson, da seleção de 70, dizia que quem corre é a bola, não o jogador. Hoje, ele não jogaria?
Drasco – Não só Gerson. O que seria de um grande jogador como Didi ou o nosso Bobic? Eles teriam que mudar para ser grandes como foram.
Folha – E Pelé?
Drasco – Pelé é Pelé. Sempre foi e será algo incomum. Jogaria em qualquer tempo pelas suas características. Como Cruiff.
Folha – Pelé é Pelé. E Cruiff? É um marco na história do futebol?
Drasco – Pelé é o maior, o número um. Cruiff é o número dois.
Folha – A Holanda de 74 hoje ainda seria revolucionária?
Drasco – Completamente.

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