São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 1994
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De Sanctis discute arte e transformação política

MARCO CHIARETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os 23 textos do crítico italiano Francesco de Sanctis (1817-1883) reunidos no livro "Ensaios Críticos", que a Nova Alexandria acaba de editar, têm pelo menos quatro virtudes: apresentam ao leitor brasileiro um autor pouco conhecido por aqui, embora central para a compreensão da cultura e da sociedade italianas do século 19; permitem que se leia um crítico preocupado com a compreensão, a clareza, o aprendizado e o entendimento; recolocam em discussão o problema das relações entre a vida e a arte, e em particular, entre a história e a literatura; finalmente, mostram que é possível existir vida inteligente entre os homens que escolhem a ação e fazem da política parte importante de suas vidas.
Em 1848 explodem na Itália –como em toda a Europa– uma série de insurreições cujos pontos em comum eram o desejo de modernização das estruturas políticas e a ressureição da unidade política italiana, perdida com o fim do Império Romano de Ocidente, 1.400 anos antes. De Sanctis se une aos revoltosos napolitanos, muitos deles seus alunos. A insurreição fracassa e ele é preso.
Fica três anos na cadeia. Estuda alemão. Escreve. Lê filosofia alemã, principalmente uma das obras fundamentais de G.W.F. Hegel, a "Lógica". Se o magistério, a atividade política e o trabalho como jornalista já o levavam a isso, sua temporada na prisão fez de De Sanctis um reformista convicto no que se refere às concepções estético-filosóficas dominantes na Itália de seu tempo. O crítico que vai influenciar gerações de intelectuais italianos –entre eles Benedetto Croce e Antonio Gramsci– tomava sua forma definitiva entre os muros do Castel dell'Uovo, sua prisão napolitana.
Os ensaios da edição brasileira incluem textos que não compunham a primeira edição de "Saggi Critici", que é seu primeiro livro (publicado em 1866). Traz também vários artigos extraídos de "Nuovi Saggi Critici" (1872) e capítulos (ou partes de) da obra mais importante de De Sanctis, a "Storia della Letteratura Italiana", publicada em 1870. Finalmente, em 1897, Croce publicaria "La Letteratura Italiana nel 19.º Secolo", reunindo as aulas do crítico sobre o tema. Croce considerava De Sanctis representante do "melhor que se pensou sobre a arte neste tempo" (o século 19), como deixou expresso em seu "Aesthetica in Nuce".
Mesmo assim, para um filósofo sofisticado e original como o napolitano Croce, certas "liberdades" desanctianas em relação ao idealismo e suas consequências não podiam soar perfeitamente bem. Por outro lado, é em Gramsci que a idéia de "força viva" com a qual De Sanctis resume a capacidade do artista de retratar seu tempo, traz mais consequências. O pensador marxista italiano registraria em seus "Cadernos do Cárcere" sua dívida com De Sanctis. A coletânea "Literatura e Vida Nacional" começa justamente com um fragmento dedicado ao crítico. Para Gramsci, "a crítica de De Sanctis é militante, não 'frigidamente' estética", e nessa militância o também político Gramsci encontrava sua grande virtude.
Vários –se não todos– textos dessa coletânea refletem esse desejo de De Sanctis de "fortalecer", através da palavra e da expressão artística, as possibilidades de transformação que ele desejava e pelas quais combatia. A história era um de seus guias, sem com isso deixar-se levar pela análise da época. Suas leituras de Alessandro Manzoni, Leopardi, Dante, Ariosto, são demonstração desta busca da articulação entre o tempo e a beleza.
Não faltaram críticos a De Sanctis. Nem o mais ferrenho deles poderia porém deixar de registrar que ele praticava, nas palavras de Gabriele D'Annunzio (que, aliás, não gostava muito de De Sanctis), "aquela resistente virtude vital que é o estilo".

A OBRA
Ensaios Críticos, de Francesco De Sanctis. Capa de Juan José Balzi. Tradução, prefácio e notas de Antônio Lázaro de Almeida Prado. Editora Nova Alexandria (r. Urano, 215, São Paulo, tel. 270-8627, Caixa Postal 12.994, CEP 01529-010). 319 págs. CR$ 8.960

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