São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 1994
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Montanha-russa

Os anos passam e a economia brasileira patina nos mesmos problemas, mas no dia-a-dia quase tudo parece mudar numa velocidade vertiginosa. Cada agente econômico é obrigado a reavaliar permanentemente suas chances de sobrevivência, como se, numa montanha-russa, estivesse num carro prestes a descarrilar.
A semana que passou foi um desses momentos em que os mercados beiraram a histeria. De todas as direções surgiam dados inquietantes: dificuldades na colocação de títulos públicos, ansiedade quanto às regras e ao cronograma de implementação da URV, brusca aceleração dos preços que segundo a Fipe sobem já em média 39,5% ao mês, puxada nas taxas de juros e movimentação afoita dos técnicos do governo, com declarações desencontradas e ameaças de "bombardeio" pelo ministro da Fazenda.
O momento culminante desse clima adverso foi a corrida rumo às cadernetas de poupança. A perspectiva de ganhos extraordinários no mês de janeiro, cerca de 10% acima da inflação esperada (consequência da elevação da TR que se seguiu ao repique inflacionário), levou pequenos, médios e grandes investidores a uma rápida reacomodação patrimonial. Houve filas, os bancos tentaram limitar ao máximo os depósitos, o deságio do dólar paralelo bateu recordes. E as Bolsas de Valores mantiveram um ritmo de valorização que já suscita temores de que uma bolha especulativa esteja em formação.
Entretanto, nada indica que toda essa movimentação histérica tenha condições de prosseguir. Houve de fato um repique da inflação, mas, por enquanto, as expectativas parecem acomodadas com a idéia de uma estabilidade da inflação, nos próximos dois meses, em torno dos 40%. A corrida mesma para a poupança implica adiamento de decisões de consumo e, por extensão, maiores dificuldades para comércio e indústria colocarem produtos no mercado a preços explosivos.
Permanece a inquietação frente ao caráter e destinos da URV. A equipe econômica não soube até agora unificar seu discurso. É verdade que partem do próprio ministro Fernando Henrique Cardoso declarações que reafirmam a tese de que caberá ao mercado arbitrar, de forma espontânea e gradual, a conversão à URV. É um princípio correto, mas ainda insuficiente para afastar dúvidas cruciais, especialmente no caso da conversão dos salários.
A histeria do início de janeiro portanto passou, mas pode afinal tratar-se de um alívio temporário e afônico, como ocorre depois de uma manobra aterrorizadora numa montanha-russa. O mercado tomou um grande susto, rapidamente os agentes assumiram novas posições defensivas, mas o momento exige ainda um esforço brutal das autoridades no sentido de resguardar a credibilidade de que ainda dispõem.
Esse esforço não poderá ser meramente retórico. Em primeiro lugar está a necessidade de um ajuste fiscal transparente e inequívoco. Declarar que já se pode contar com o ajuste a pretexto de acelerar a introdução da URV pode ser um expediente inoportuno, justamente por comprometer o ingrediente indispensável da nova moeda –a credibilidade no controle das contas públicas.

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