São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 1994
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O renascimento de Zé Celso

GEORGE ALONSO

O diretor e ator de teatro José Celso Martinez Correa conseguiu. Reabriu o Teatro Oficina. Agora, quer matar o personagem que fez nos 15 anos da novela da reconstrução –logo ele que odeia o gênero. "É o meu renascimento", exulta e não exagera. Sua montagem de "Hamlet" foi o acontecimento do teatro brasileiro em 1993. "Ham-Let", nome que deu à adaptação da peça de Shakeaspere, é o segundo trabalho depois de duas décadas de semiparalisia. "Estava no subterrâneo. O problema é que corre-se o risco de desenvolver uma alma subterrânea, de se sentir bem lá." Zé Celso emerge e, palavras suas, busca o sucesso popular.
Diretor das antológicas peças "Roda Viva" e "O Rei da Vela", encenadas nos anos 60 e espelhos daquele tempo rebelde, hoje quer apagar as pechas de "louco", "decano do ócio", "parasita do Estado", conquistadas na década yuppie. "Fiquei folclórico nos 80, virei fantasma", afirma Zé Celso, que no palco onde estará até o dia 6 de fevereiro encarna o fantasma do pai de Hamlet.
Falar e esperar foram dois verbos muito conjugados por Zé Celso depois do encerramento do auto-exílio de cinco anos, provocado por prisão e tortura em 1974. De volta ao país (junho de 1978), ele agitou "happenings de rua", mas nada que aparecesse. Tudo era meio "sessentóide", fora do ânimo da época e inacabado –como o Oficina naquele momento.
No presente, ainda é fiel ao particularíssimo estilo. Usa a expressão "desbunde", mas incluiu uma palavra apolínea no seu vocabulário: fazer. Na Lua Cheia de março, mês em que completa 57 anos, vai inaugurar oficialmente o novo Oficina. No dia histórico, quer "transmissão direta de 'Ham-Let' pela TV Cultura", emissora com quem promete negociar. "Acredito na economia da indústria cultural, por isso quero a TV no teatro", explica.
Zé Celso, o renascido, age e fala. (Como fala: 165 minutos de fitas e 19 folhas de fax enviadas à redação como "pequenos adendos" à entrevista.) Atrás do discurso prolixo, da orgia de palavras e dos mil mitos invocados, está um artista que sabe objetivar o que quer. Para chegar ao último ato do seu desejo, pede dinheiro a deus e ao diabo: em 1985, "des-satanizou" Paulo Maluf, que acabou pondo dinheiro nos alicerces do Oficina. "Sou grato ao pianista João Carlos Martins, que me ajudou através da Paubrasil", diz, citando a empresa acusada hoje de arrecadar fundos para campanhas do atual prefeito.
Em sua primavera, Zé Celso está mais apaziguado e menos "tarado": parou de tomar pílulas para dormir, hábito adquirido na estréia, e de cantar tudo e todos. "Estou bem melhor."

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