São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 1994
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O café ao sabor das estatísticas

LUIZ MORICOCHI

O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) insiste em sua previsão de 28,5 milhões de sacas para a safra brasileira de café em 93, recentemente colhida. Dada a repercussão desta informação no segmento cafeeiro, no Brasil e no exterior, julgamos oportuno fazer algumas observações sobre os dados do departamento norte-americano, divulgados no início deste mês.
Quando o USDA estima a produção brasileira de café em 28,5 milhões de sacas, 20% superior à de 92, essa tendência percentualmente é até aceitável. O problema surge quando se toma o volume divulgado em 92, que teria sido da ordem de 24 milhões de sacas.
Ora, esse volume estaria superestimado em pelo menos 2 milhões de sacas, que é a diferença entre os dados divulgados pelo USDA para São Paulo em 92 (5,2 milhões de sacas) e as 3,1 milhões de sacas estimadas pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA), órgão que, junto com a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), responde pelo levantamento sócio-econômico da agricultura do Estado de São Paulo.
Na previsão de 93, o departamento norte-americano estima uma produção de 5,5 milhões de sacas para São Paulo, enquanto as estimativas do IEA são de 3,6 milhões de sacas. Não concordamos também com a estimativa de produção do USDA para Minas Gerais (13 milhões de sacas) e Paraná (3 milhões de sacas). Na nossa avaliação, a produção deve ter sido de no máximo 11 milhões de sacas para Minas Gerais e de 2 milhões para o Paraná.
O levantamento feito para São Paulo, com pesquisa em 3.600 imóveis rurais, obedece ao maior rigor estatístico, o que não parece ser o caso do levantamento do USDA. Sabe-se apenas que os funcionários deste órgão internacional percorrem alguns quilômetros nas regiões cafeeiras do Brasil (não se sabe precisamente onde, como e quando), colhendo informações aqui e acolá (estranhamente, no caso de São Paulo o IEA não foi consultado) para em seguida divulgar esse número absurdo de 28,5 milhões de sacas.
Analisando os dados do USDA para Minas Gerais, por exemplo, observa-se a seguinte inconsistência: a produtividade do café por 1.000 pés é estimada como variando entre 15 sacas e 25 sacas beneficiadas do produto. Considerando que este Estado deve ter no mínimo 1,6 bilhão de pés de café, chegar-se-ia a um absurdo de 24 milhões de sacas como produção mínima para Minas Gerais (produtividade de 15 sacas por 1.000 pés), bem maior, portanto, do que o próprio dado apresentado de 13 milhões de sacas. Essa instituição parece desconhecer que essa forma de medir produtividade (produção por 1.000 pés) já está superada. Era válida quando em cada hectare se cultivava 1.000 pés de café, no espaçamento usado no passado (4,0 m x 2,5 m).
Devido à tendência de maior adensamento (existem lavouras com até 10.000 pés por hectare) o correto é o conceito atual, de produtividade por hectare.
Outra inconsistência, que o próprio USDA reconhece, é que com os baixos preços registrados após a suspensão das cláusulas econômicas do Acordo Internacional do Café, em julho de 1989, houve uma grande erradicação de lavouras no Brasil. Com isto, aumentaram os custos de oportunidade dos recursos alocados nessa cultura, custos esses decorrentes não só da rentabilidade negativa apresentada pela maior parte das lavouras como também pela existência de opções econômicas mais vantajosas na própria agricultura. Como pode, dessa forma, o Brasil colher em 93 uma safra do mesmo tamanho de 91, de 28,5 milhões de sacas? Talvez, por isso mesmo, analistas de comodities dos próprios Estados Unidos considerem superestimado o número divulgado pelo USDA relativo à safra brasileira de café.
Os importadores têm se aproveitado do caráter inelástico da demanda de café para impor preços aviltantes e assim formar grandes estoques. Devido a essa característica, uma pequena variação a mais no volume ofertado determina uma queda mais que proporcional no preço do produto. Daí a nossa preocupação sobre a necessidade técnica de se ter uma estimativa de produção a mais próxima possível da realidade.
Aliás, é devido à essa inelasticidade de demanda que certos produtos podem ser fortemente taxados pelo governo (exemplo do cigarro) visando o aumento de arrecadação, sem determinar grande redução no seu consumo.
Também com base nesse conceito é que se conduziu a controvertida política de valorização do preço do café no início deste século, visando, no primeiro momento, a defesa do produtor e, no segundo, a estabilidade macroeconômica do país, através da maximização de receitas cambiais.
As estatísticas de produção de café continuam sendo motivo de muita preocupação entre os diferentes setores envolvidos com o produto. Assim, não podemos deixar de concordar com a necessidade urgente de se realizar um levantamento básico sobre a produção de café no Brasil. Isto porque os dados que têm sido divulgados são mero repasse de informações subjetivas baseadas em informações também colhidas subjetivamente em anos anteriores. A própria estimativa do Departamento Nacional do Café peca pela falta de sustentação técnica. Não existe levantamento básico, objetivo. É aí que está a essência do problema de dados sobre produção de café no Brasil.

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