São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 1994
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Bandeira

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

SÃO PAULO – Criancinhas faltam à aula oficialmente e abanam bandeirolas do Brasil numa manifestação armada com dinheiro público para receber o nobre político na pracinha do interior. Eis uma situação clássica e, ao que parece, um uso digníssimo e respeitoso do lindo pendão da esperança.
Ao menos nunca se viu qualquer autoridade policial ou judicial reclamar da utilização do símbolo augusto da paz em tal torpe e degradante circunstância. Nem se viu jamais um comandante de tropa de choque proibir um torcedor de costurar o sagrado pavilhão em bandeiras de clube de futebol ou enrolar-se no dito ou, ainda, estendê-lo sobre o cimento quente das arquibancadas para servir de anteparo ao traseiro ufanista.
Há, porém, uma estranha compulsão da hipocrisia nacionalista e infantil dos nossos síndicos da pátria em policiar a utilização da bandeira em palcos. Primeiro foi a história, falsa, sobre os tropicalistas –que teriam maculado a bandeira num show, o que justificaria um trágico e insólito exílio. Recentemente, outro guardião-mor do sagrado pedaço de pano horrorizou-se com o simpático e amigável gesto de Madonna, que se enrolou em verde-amarelo no ensaio de um de seus shows no Brasil.
Agora, levam para a delegacia um músico da banda Sepultura, por suposto desrespeito à bandeira. Bronca pelo fato de o grupo, sucesso internacional, cantar em palcos estrangeiros uma música sobre o massacre do Carandiru –episódio que tanto honrou nossas tradições nacionais? Bronca por que os meninos explodiram o Morumbi com uma versão de "Polícia", hit do grupo Titãs? Ou será um auspicioso ataque de zelo e rigor quanto ao cumprimento da lei, que se transformará em norma em outras áreas e situações?
Fariam melhor as autoridades pátrias se, no lugar desse tolo fetichismo em torno do pendão, exercessem suas funções públicas de modo a dignificar o país. Não são nossos músicos –ao contrário– os responsáveis pela péssima imagem do Brasil dentro e fora das fronteiras nacionais. A implicância com Caetano, Madonna e Sepultura faz parte de uma antiquada, conservadora e grotesca noção de patriotismo, que sobrevive, impávida, nos escaninhos do atraso mental brasileiro.

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