São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 1994
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O Orçamento e o sofá

JOSÉ SERRA

Aproxima-se do fim a CPI do Orçamento e tende a esquentar uma discussão árida, mas relevante, sobre o que fazer com a participação do Congresso no processo orçamentário. Infelizmente, algumas das propostas até agora feitas são do tipo "remoção do sofá pelo marido traído". Uma delas envolveria a extinção da Comissão de Orçamento, espalhando-a em pedaços pelas comissões temáticas normais do Congresso. No que isso ajudaria? Na minha opinião, em nada, além de trazer novos elementos complicadores.
Primeiro, provocaria uma grande confusão técnica, pois há comissões separadas no Senado e na Câmara tratando dos mesmos temas. Segundo, seria notavelmente fortalecido o caráter corporativo das emendas, bem como a pulverização dos gastos, fator que já estraga os orçamentos atuais. Terceiro, como ficariam as comissões temáticas de relações exteriores, finanças ou economia? Fariam emendas somente para os orçamentos irrisórios (basicamente salários) do Itamaraty, da Fazenda e do Planejamento? Quarto, é evidente que teria de haver uma comissão central para sistematizar os resultados e decidir sobre o que e quanto vai para cada área. Ou seja, a Comissão de Orçamento reapareceria pela porta dos fundos e em situação piorada.
Outra idéia refere-se a tornar a realização dos gastos orçamentários obrigatória em vez de autorizada, como hoje. Que maravilha! Sem saber como vai se comportar a receita ou a evolução do PIB, nem eventuais gastos extraordinários, decide-se que as despesas aprovadas num ano serão necessariamente feitas no ano seguinte! Em que isso melhoraria as coisas? Só Deus sabe.
Uma terceira idéia manda indexar o Orçamento pelo lado dos gastos. Assim, o Executivo não teria de voltar ao Congresso para suplementações. Gostoso? Sem dúvida, mas irracional e utópico, pois nem todos os itens do Orçamento variam sob o mesmo índice de preços e ao mesmo tempo. A receita, portanto, não necessariamente variaria na mesma proporção dos gastos indexados.
Já ouvi também a proposta de simplesmente proibir as emendas de parlamentares, ao contrário do que acontece em todos os países democráticos do mundo. Creio, porém, que as alternativas vão por outro lado. O comportamento eventualmente transgressor dos parlamentares não será evitado por nenhuma lei ou sistemática orçamentária, mas simplesmente pela punição implacável dos que desviam recursos orçamentários. Este é o maior fator para inibir os potenciais transgressores.
Paralelamente, será necessário observar as normas constitucionais sobre o processo orçamentário, cuja desobediência está por trás dos escândalos ocorridos. Basta lembrar que a atual Constituição não autoriza o Congresso a aumentar a receita prevista pelo governo no projeto de lei orçamentária, mas os parlamentares têm feito sistematicamente essa revisão, acrescentando bilhões e bilhões de dólares de receitas e novas despesas.
Portanto o conhecimento do texto constitucional, a vigilância da imprensa e o controle recíproco dos três Poderes constituem outro fator poderoso para moralizar o processo orçamentário. Por fim, a revisão da Constituição pode aperfeiçoar as condições constitucionais de controle e planejamento dos gastos públicos.

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