São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 1994
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A prisão, para que serve

HÉLIO BICUDO

Assistimos nesta passagem de ano ao recrudescimento de rebeliões e de fugas não só nos presídios brasileiros, mas por igual em prisões de outros países, em particular da América Latina.
Trata-se, de há muito vimos afirmando, fatos que põem a nu um sistema ultrapassado, cuja falência está à vista de todos, sem que os governos, responsáveis por todo o processo de punição e recuperação dos delinquentes, tenham feito uma reflexão para encontrar novos caminhos para o equacionamento desse problema, que vem se tornando ao longo do tempo cada vez mais agudo.
Afinal, o sistema prisional transformou-se, ao arrepio dos ensinamentos da ciência penitenciária, em um fim em si mesmo. Para a tranquilidade da sociedade, basta a segregação; como ela se faz, se a violência e a corrupção se constituem nos seus qualificativos maiores, pouco importa; o que realmente importa é que a sociedade se livre daqueles que transgredirem as regras de convivência decorrentes na legislação penal.
Ora, inteiramente desorganizado, o atual sistema prisional brasileiro precisa ser repensado, porque está se transformando numa verdadeira bola de neve: a reincidência cresce em maré montante, circunstância que determina uma demanda cada vez maior de vagas, num volume incapaz de ser atingido diante dos altos custos da construção de novos edifícios prisionais.
Em São Paulo, por exemplo, construíram-se mais de uma dezena de penitenciárias para abrigar réus condenados, em unidades com lotação, respectivamente, para 500, 1.000 e 1.500 detentos.
Semelhante esforço não teve a menor repercussão naquela que deveria ser uma séria política penitenciária. As grandes casas são incontroláveis, ou melhor, elas são controladas pelas gangues que se formam nos presídios, colocando num segundo plano a própria administração, que passa a se sujeitar aos seus propósitos de dominação, o que invariavelmente redunda em violência e em maior corrupção.
A Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou o problema, dentre as conclusões a que chegou, condenou claramente o sistema atual, buscando alternativas que vão desde a pena sem prisão para delitos menores, maior atenção às penas alternativas, de perda de direitos ou da imposição de serviços à comunidade, até a uma integração das atuações da polícia, enquanto preventiva, da Justiça e da prisão, funcionando em módulos descentralizados, de sorte que haja maior interação entre as atividades policiais, judiciais e as relativas ao cumprimento da pena, ao contrário do que hoje acontece, quando a polícia prende –as delegacias estão superlotadas–, os juízes julgam sem conhecer a realidade do delito e os réus condenados são tratados burocraticamente, sem qualquer consideração pela sua ressocialização.
Seria do maior interesse que as autoridades federais e estaduais conhecessem as conclusões da CPI em questão para que se possa fazer, à luz de suas sugestões, os esforços necessários para que o cenário atual se altere, pois o respeito à dignidade da pessoa humana é fundamental para o estabelecimento de uma política de recuperação do detento.
Sem um novo modelo, considerando-se a polícia, o Judiciário, o Ministério Público e o presídio como um todo e contando, ainda, com o imprescindível apoio da comunidade, continuaremos a instigar a segregação, e com a ela a violência e a corrupção e, como consequência, a reincidência.
É preciso que a sociedade acorde para o problema.

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