São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 1994
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A indefensável bitributação para a escola pública

NEWTON LIMA NETO

O pagamento de mais um imposto pelos pais dos que estudam em instituições educacionais públicas, como parece fazer parte das medidas econômicas vindouras, significará, caso o Congresso concorde com essa modificação constitucional, uma medida em si injusta do ponto de vista tributário, economicamente inconsistente e estrategicamente desastrosa para o país.
É forçoso admitir que o argumento apresentado pela equipe econômica, segundo o qual os que podem devem pagar o ensino dos que não podem, tem seu charme principalmente num país de tantas desigualdades sociais. Isso torna mais difícil a tarefa de demonstrar a incongruência entre a ação proposta e o princípio de justiça social nela contida.
Os impostos existentes, do ponto de vista doutrinário, servem justamente para financiar os serviços públicos essenciais para o desenvolvimento do país, dentre os quais a educação deveria ser colocada em primeiro plano.
Será que a arrecadação atual é insuficiente para se colocar à disposição da população uma educação pública de qualidade? Para um país que ostenta a décima colocação dentre as economias mundiais e só destina 3,5% do seu PIB à educação, parece mais provável que se trata de uma questão de vontade política na definição de prioridades do que de montante orçamentário. Não obstante, partindo-se da hipótese que as deficiências encontradas derivam-se de escassez de verbas, a saída, certamente, não é a bitributação.
Trata-se, sim, de combater, com muito maior eficácia, a evasão de recursos pela sonegação e corrupção; eliminar subsídios e subvenções indiscriminadas e promover a justiça tributária de verdade, taxando pesadamente os grandes salários, as fortunas e os lucros exacerbados.
Só para se ter uma idéia, estima-se, de forma otimista, que a sonegação fiscal no Brasil e da ordem de US$ 60 bilhões por ano. Se fosse eliminada, produziria, num só ano, recursos para manter toda a rede federal de ensino superior funcionando por cerca de 20 anos, com seus mais de 350 mil alunos, centenas de cursos de mestrado e doutorado, hospitais, museus, laboratórios e bibliotecas.
Se o imposto educacional for cobrado, penalizará notadamente o que resta da classe média, ampliando a injustiça tributária hoje existente, já que a elite ou continuará matriculando seus filhos em caríssimos estabelecimentos no país e no exterior ou, no caso do ensino superior público de reconhecida qualidade, verá no tributo a ser pago algo de insignificante monta.
A proposição é economicamente inconsistente porque, dada a estrutura perversa de distribuição de rendas no país, não se conseguiria recolher, por esse mecanismo, recursos significativos ao financiamento de uma escola pública de boa qualidade. Pelo menos se imaginarmos que o tal imposto não seria maior que as mensalidades hoje pagas nas escolas particulares, que se pretenderia ampliar as oportunidades educacionais aos 4 milhões de crianças excluídas e expandir significativamente os cursos noturnos nas universidades públicas.
No terceiro grau público, estudos sérios já demonstraram que através do ensino pago não mais do que 5% seriam captados frente a atual e insuficiente estrutura de custos. Se os salários do pessoal fossem condizentes com a responsabilidade da função e os investimentos retomados na proporção requerida, tal percentual seria ainda mais baixo. Nunca é demais lembrar que a rede pública de ensino superior é o "locus" central da produção do conhecimento no país. E formar cientistas e produzir ciência e tecnologia custa caro. A menos que se pretenda confinar ou eliminar tais atividades, como aliás foi imaginado no período do governo deposto.
Finalmente, a implantação do ensino pago é estrategicamente desastrosa por duas razões. Primeiro porque mais uma vez a educação pública é tratada por planos econômicos de estabilização como gasto e não como investimento. A esdrúxula idéia veiculada da estadualização das universidades federais vem no mesmo sentido. Segundo, porque coincide com descabidas exigências internacionais que, a partir de um modelo de desenvolvimento dependente que propugnam para o Brasil, insistem em subordinar a aprovação de novos programas de apoio à adoção do pagamento nas instituições universitárias públicas com a consequente redução da participação da União e dos Estados no financiamento desse estratégico grau de ensino.
Por ambos os motivos, põe-se em risco o futuro e a soberania do país. A teoria do "Estado mínimo", que abre mão de seus essenciais compromissos sociais através de sua privatização, já está fora de moda na Europa e nos Estados Unidos. Que sigamos o exemplo das nações de Primeiro Mundo e elejamos, de fato, a educação pública como prioridade nacional.
Se quisermos construir uma nação verdadeiramente cidadã, temos que fazê-lo com ações que estimulem a educação formal e não com medidas que a penalizam. É aí que o Estado desempenha papel preponderante e insubstituível, quer na garantia da qualidade, quer na democratização das oportunidades educacionais em todos os níveis.

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