São Paulo, quinta-feira, 20 de janeiro de 1994
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Em louvor do santo

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Brasileiro não deve reclamar de barriga cheia. Em primeiro lugar porque imensa parcela vive de barriga vazia, esperando as cestas básicas do Betinho e do ministro da Fazenda, que inaugurou sua temporada eleitoral. Em segundo lugar: apesar de nossos problemas, somos aquele povo abençoado por Deus e bonito por natureza, com a vantagem de não termos terremotos como o que houve esta semana em Los Angeles.
Não sou admirador da civilização norte-americana, só vou lá para ver parentes próximos ou a serviço. Mas tenho a certeza de que daqui a duas semanas os estragos estarão reparados, tudo voltará ao normal, a cidade funcionando como cidade –incluindo sua taxa de violência.
Não sei se ainda existe a mostra de fotografias na Postdamplatz, em Berlim. No tempo do Muro havia: fotos da cidade em maio de 1945, quando aquele trecho –onde se situava o bunker de Hitler– foi o mais bombardeado de toda a história. Não havia piloto russo, americano, francês ou inglês que não fizesse questão de jogar ali uma bombinha, mesmo depois de ter acabado a guerra. Pois ali havia uma estação de metrô. Dez dias depois da queda definitiva de Berlim, o metrô já funcionava, a céu aberto, pois não ficara pedra sobre pedra.
Tivemos um temporal aqui há dez dias. Coisa modesta, humílima, meia hora de água sem vítimas nem surto de cólera. Mas os sinais da cidade estão todos enguiçados e enguiçados continuam. O que tem havido de batidas e acidentes equivale a um terremoto de pequenas proporções. Não sou entendido no assunto, mas algo em torno (como dizem os economistas) a 0,00 na escala Richter.
Escrevi "sinal" e não "farol", como é conhecido em São Paulo aquele utensílio urbano que os eruditos xingam de "semáforo". É minha contribuição pessoal à salvaguarda da linguagem regional ameaçada pelos meios de comunicação. Hoje é dia de São Sebastião, nosso padroeiro. Com seu corpo nu, varado de flechas, tinha de ter alguma coisa a ver com a cidade.

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