São Paulo, sexta-feira, 21 de janeiro de 1994
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Estudo desfaz enigma do parasitismo sexual

MARCELO LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem pensa na natureza como o reino da normalidade não vai conseguir entender a espécie de peixes Poecilia formosa, um parente dos lebistes, barrigudinhos e guarus. O nome em inglês, "Amazon mollies", é o que melhor expressa suas esquisitices: a espécie tem somente fêmeas, que parasitam sexualmente machos de uma espécie próxima (P. latipinna) para produzir apenas fêmeas idênticas à mãe. Cientistas da Universidade do Texas em Austin (capital do Estado no sul dos EUA) descobriram agora por que, afinal, esses machos se submetem docilmente a essas amazonas de escamas.
Na realidade, os peixinhos que pulam a cerca da espécie estão sendo é mais "espertos". Aparentemente, eles nada teriam a ganhar, uma vez que o patrimônio genético das novas amazonas provêm todo do lado materno). Os espermatozóides cedidos só servem para "beliscar" o óvulo das P. formosa, ativando sua divisão (o que se chama de partenogênese induzida). Os cromossomos do macho são descartados antes de formar pares com os das fêmeas. A razão que leva os promíscuos a gastar espermatozóides sem benefício hereditário –ou seja, sem transmitir seus genes– era um mistério para os evolucionistas.
A equipe de Michael Ryant, do Departamento de Zoologia da Universidade do Texas, descobriu que os peixes tiram, sim, alguma vantagem desse comportamento enigmático. Em artigo publicado na edição de hoje da revista norte-americana "Science", Ryant relata que as fêmeas da segunda espécie, depois de ver seus machos com as amazonas, desenvolvem uma forte atração sexual pelos transgressores.
Dito de outro modo, os pesquisadores verificaram que os machos vítimas de parasitismo sexual ganham com isso o que se chama em biologia de vantagem reprodutiva: tornando-se mais atraentes, geram descendência mais numerosa e aumentam a chance de propagação de seus próprios genes.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores do Texas montaram aquários como uma câmara de "peep show". No primeiro deles, fêmeas da espécie 2 (sexuada) podiam escolher entre dois machos, um maior do que o outro –confirmando com isso, estatisticamente, a preferência natural pelo tamanho. Em seguida, no segundo aquário, os mesmos dois machos eram postos para copular com fêmeas da espécie 1 (que se reproduzem assexuadamente). A fêmea da espécie 2 podia assistir somente as relações do macho que tinha desprezado).
No terceiro estágio do experimento, voltava-se à situação inicial. Não deu outra: depois da sessão de voyeurismo compulsório, as fêmeas passaram a desprezar os grandões em favor dos que tinham visto com as amazonas.
A espécie ginogenética (isto é, que gera unicamente fêmeas) P. formosa é conhecida desde a década de 30. Ela resultou de um processo natural de hibridação, da "miscigenação" de outras duas espécies. Segundo o geneticista Sílvio Toledo, do Departamento de Biologia da USP, esse tipo de mistura entre espécies é mais comum, no ramo dos vertebrados, entre os peixes.

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