São Paulo, sexta-feira, 21 de janeiro de 1994
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CPIs ameaçam ressuscitar Inquisição

A sigla é mágica: ilude os incautos e elege os espertos

LUÍS FRANCISCO CARVALHO F.º-
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Não basta lembrar a relevância institucional das duas CPIs que abalaram o país, a que abriu caminho para o impeachment de Collor e a que acaba de apurar irregularidades no Orçamento. A primeira virou a Presidência da República pelo avesso. A segunda superou a barreira do corporativismo e expôs mazelas do próprio Congresso. Desvendaram o que parecia indevassável, fatos que mecanismos comuns de investigação seriam incapazes de descobrir por absoluta falta de vontade política ou de poder real.
É preciso, também, um olhar crítico em torno da natureza e do funcionamento das CPIs no Brasil. Dada a repercussão estrondosa dos últimos trabalhos, podem se converter em corriqueira arma eleitoral, em poderoso instrumento de destruição de adversários ou grupos, em ameaça concreta ao elenco de garantias individuais, criado justamente para conter o assanhamento dos governantes, dos policiais e da chamada opinião pública.
A sigla é mágica: ilude os incautos e elege os espertos. CPI do Apito. CPI da Pistolagem. CPI da CUT. CPI da Mulher. CPI do Menor. CPI das Empreiteiras. CPI da Imprensa. CPI do Judiciário. Mais CPI, menos CPI. Dois meses sem CPI... Depor perante uma CPI é como ser fotografado de frente e de perfil pela Polícia Federal. Ser "citado" em relatório de CPI aniquila a reputação. A CPI "vaza" acusações. Maltrata "outsiders", e poupa pessoas ilustres. CPI condena sem julgamento.
Parlamentar não é "tira". Não deveria ser, pelo menos. A intimidade entre Parlamento e polícia assusta –assim como a amigação entre imprensa e polícia– porque contribui para o enfraquecimento do cidadão (acusado ou não de crime) num país que, envergonhado da impunidade, cada vez mais se empenha em punir. A qualquer custo.
CPI deveria existir só para apurar fatos concretos e extraordinários, com a entrega dos indícios que reuniu à autoridade competente, para a instauração do processo legal. A vulgarização é perigosa porque, além do poder de vasculhar vidas privadas, a CPI tem serventia política. Seus resultados devem ser recebidos com a mesma cautela (saudável) com que se analisa a conclusão de um inquérito policial. Porque, no âmbito da CPI, não existe contraditório nem direito de defesa.
As comissões não são, também, modelo de eficiência. Com efeito, é constrangedor assistir pela TV o espetáculo da inquirição dos "suspeitos": absoluta falta de objetividade e de rigor técnico, temperada com variável dose de mensagens ao eleitor.
As CPIs aparecem hoje como uma trincheira aberta contra a imoralidade administrativa. Mas nem por isso uma CPI pode tudo. O grande desafio é a imposição de limites, para a proteção do indivíduo e para que o Parlamento não se transforme em plenário de policiais acobertados pela imunidade.
É sempre bom lembrar que o Tribunal do Santo Ofício não foi criado para queimar hereges, mas para manter íntegra a fé católica. E deu no que deu.

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