São Paulo, sexta-feira, 21 de janeiro de 1994
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Revelações sexuais surpreenderam CPI

GILBERTO DIMENSTEIN; JOSIAS DE SOUZA

Arquivos guardam cheques de parlamentares para amantes, filhos não reconhecidos e contas de motel
JOSIAS DE SOUZA
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília
GILBERTO DIMENSTEIN
Diretor da Sucursal de Brasília
Dois grandes temores sacudiram os bastidores da CPI do Orçamento nesses três meses e quatro dias de investigações. Um deles tornou-se público e mostrou-se infundado. O outro é mantido em sigilo e ainda atormenta os parlamentares sob investigação. O medo sem fundamento era o de que a investigação pudesse ser interrompida por um golpe militar. O receio que sobrevive é o de que detalhes íntimos da vida sexual dos investigados acabem nas páginas de jornais e revistas.
O risco de golpe passou a permear os trabalhos da CPI a partir da apreensão de documentos na casa de um diretor da Odebrecht. "A estabilidade da República está em jogo", alardeava o senador José Paulo Bisol. "Nesse ritmo, bastarão um jipe e três ou quatro recrutas para fechar o Congresso", chegou a afirmar o senador Jarbas Passarinho. "Há inclusive um ato institucional redigido."
Quanto à preocupação com a vida particular dos parlamentares, a origem foi a análise da movimentação bancária dos envolvidos no escândalo do Orçamento. Foram tantas e tão comprometedoras as revelações extraídas de cheques e extratos que se decidiu firmar um pacto de silêncio na Subcomissão de Bancos. Todas as informações que expunham a vida sexual clandestina dos investigados foram ignoradas.
Há nos arquivos da CPI vários cheques de parlamentares para amantes, para filhos não reconhecidos e para saldar contas de motel. Alguns deles envolvem sobrenomes de peso. Informados da possibilidade de vazamento, alguns dos implicados encareceram que fosse observado sigilo. Rogavam em nome da preservação de suas famílias oficiais. Foi a única área em que o sigilo foi respeitado na Subcomissão de Bancos.
O vazamento, aliás, foi uma constante durante toda a investigação. De formação militar, Passarinho exaltava-se com frequência. Nestes últimos dias de CPI, chegou ao ponto de acordar com o médico à sua porta, para tomar-lhe a pressão. Viu ressuscitada uma labirintite que não o importunava desde os tempos em que foi ministro do governo Médici.
Bisol foi quem, com maior frequência, instigou os nervos de Passarinho. Desde o princípio, Bisol afirmava que o Congresso não teria independência para investigar o Congresso. Acha agora que a apuração foi parcial. Num dado instante, ameaçou renunciar à vaga de titular da CPI. Informado disso, Passarinho enviou-lhe um recado: "A CPI também pode ficar sem presidente." As renúncias ficaram só na ameaça.
O fantasma do golpe levou Passarinho a sondar os quartéis. Contatou um "araponga" que costuma abastecê-lo com informes da caserna. Soube que oficiais da reserva, encabeçados pelo general Euclydes Figueiredo Filho, irmão do ex-presidente João Baptista Figueiredo, chegaram a preparar um "ato institucional".
O documento apresenta as bases para um regime de exceção. Passarinho tranquilizou-se ao saber que, instado a subscrever o manifesto, outro oficial da reserva, Sebastião Ramos de Castro, ex-chefe da Agência Central do extinto SNI, recusou-se a assinar. A adesão não era generalizada.
A chiadeira dos militares de pijama chegou ao gabinete de Itamar Franco. O secretário de Assuntos Estratégicos, almirante Mario César Flores, fez chegar às mãos do presidente vários manifestos de conhecidos grupos da reserva, como o Guararapes, o Bandeirantes e o Araucária. Os textos destacam a preocupação com a corrupção e lançam alertas. "Estamos vivos", diz uma frase de um manifest do Guararapes.
Ao bater os olhos em um dos manifestos, Itamar teve, bem ao seu estilo, reação tempestiva. Discou para o general Romildo Canhim, a quem havia incumbido de compor uma comissão para investigar denúncias de corrupção no Executivo: "Ponha na comissão alguém desse Grupo Guararapes." Assim foi feito. O general da reserva Francisco Batista Torres de Melo integra a comissão.
Em contraste com a exaltação dos militares de pijama, os ministros fardados mantiveram posição sóbria. Aos que lhes perguntavam, diziam que a tropa estava sob controle. Mais: defenderam o aprofundamento das investigações.
Houve um único instante em que o ministro do Exército, Zenildo de Lucena, mostrou-se preocupado com os rumos da CPI. Foi no dia em que a Polícia Federal, em diligência acompanhada pelo senador Bisol, apreendeu os documentos da Odebrecht. Esse dia foi batizado na comissão como a "quarta-feira negra".
A notícia que chegou ao Forte Apache, de onde Zenildo de Lucena comanda o Exército, era mesmo de alarmar: a documentação comprometia mais de cem parlamentares, incluindo integrantes da CPI. Em diálogo com um deputado, o ministro do Exército foi direto: "O Roberto Magalhães (relator da CPI) está no meio? Se estiver é grave". A resposta afirmativa deixou-o ainda mais tenso.
Horas antes, em reunião na casa de Bisol, Passarinho ouvia relato ainda mais aterrador do senador Bisol. "A CPI está liquidada. O Congresso está liquidado." Foi quando Passarinho disse que um jipe e alguns recrutas bastariam, naquele ambiente, para cerrar as portas do Congresso. Incluído na papelada da Odebrecht sob um cabeçalho suspeito –"deputados amigos que nos apóiam em CPIs"–, Roberto Magalhães não foi convidado para o encontro organizado por Bisol.
Coube ao petista Aloízio Mercadante e ao senador Mário Covas, presentes ao encontro, apaziguar os ânimos. Estabeleceu-se uma primeira linha de conduta. Deveriam ser desprezadas as listas de brindes e auxílios de campanha oferecidos pela empreiteira. Mais tarde, decidiu-se que apenas os nomes que surgiam na lista seguidos de percentuais seriam efetivamente investigados. Com isso, desprezou-se boa parte dos documentos da Odebrecht.

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