São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 1994
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Muito além da CPI

Não é um texto que vai corrigir os vícios e distorções estruturais da política brasileira. Não é tampouco um documento que vai extirpar do Estado todos os autores de atentados contra o contribuinte. A maioria dos parasitas dos cofres públicos, ninguém ignora, vai continuar a transitar impune pelos corredores subterrâneos do Congresso –e fora dele. Ainda assim, o relatório final da CPI do Orçamento, e todas as investigações que nele culminaram, representam um passo marcante no processo de depuração da atividade política no país.
Nos 93 dias que duraram os trabalhos da Comissão, foram paulatinamente expostas ao país muitas das vísceras apodrecidas do poder público brasileiro, bem como seus laços escusos com uma parcela corrompida do setor privado. Se não causou propriamente surpresa –a existência dessas irregularidades era suspeitada mesmo pelo mais ingênuo dos brasileiros–, a selvagem rapina do dinheiro da população, revelada em nova forma a cada dia, suscitou no mínimo crescente indignação. Embora difuso, esse sentimento contribuiu muito para que o desempenho da CPI, ainda que aquém do desejado, fosse além do esperado por muitos quando da sua instalação.
O relatório final propõe a cassação de 18 parlamentares e –em reconhecimento à evidente insuficiência da investigação– pede novas apurações para os suspeitos sobre os quais não há culpa formada. Areas apenas tangenciadas pela Comissão do Orçamento, acertadamente, deverão ser objeto de outras CPIs, como por exemplo a das Empreiteiras.
O texto pede ainda –e isto é fundamental– que o Ministério Público dê andamento aos procedimentos cabíveis no âmbito da Justiça quanto àqueles congressistas suspeitos de violar não só o decoro parlamentar como a própria lei. Mais do que só cassar, é preciso, por exemplo, reaver o dinheiro desviado dos cofres públicos para bolsos privados.
A continuação e o aprofundamento das investigações são decerto indispensáveis, mas tão ou mais importante é a proposta de mudanças na legislação e no funcionamento do Legislativo visando a evitar que a máquina da corrupção se perpetue. Vão nesse sentido, por exemplo, as recomendações feitas no relatório destinadas a limitar a apresentação de emendas individuais ao Orçamento ou extinguir as subvenções sociais. Assim, se é certo –e lamentável– que a CPI tenha poupado nomes e abandonado linhas de investigação por pressões as mais variadas, não se pode deixar de reconhecer que o balanço final é bastante razoável.
Deve-se lembrar, contudo, que o relatório não faz mais do que apresentar propostas. Se estas serão seguidas ou não, se os vampiros do Erário serão mesmo punidos, é algo que depende agora do plenário das Casas do Congresso, do Ministério Público, do Judiciário, do Executivo –cada um na área da sua competência– e particularmente da própria sociedade. A fiscalização incansável da opinião pública, não deve haver ilusões, é absolutamente decisiva para que essas próximas etapas não permaneçam só no mero e inútil campo das intenções.
A CPI do Collorgate e agora a CPI do Orçamento –por mais ressalvas que mereçam– lançaram no país as bases para um saudável processo de moralização da esfera política. Dadas as dimensões da tarefa ainda à frente, porém, dada a profundidade das distorções institucionais e o enraizamento da corrupção na própria estrutura do Estado brasileiro, é um processo que apenas começa a engatinhar.

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