São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 1994
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A economia citrícola e os novos acordos comerciais

EVARISTO MARZABAL NEVES; MARCOS FAVA NEVES

EVARISTO MARZABAL NEVES
MARCOS FAVA NEVES
Pode-se pensar numa nova era econômica. Nestes dois últimos meses o mundo assistiu ao fortalecimento de blocos econômicos e ao anúncio de um comércio internacional menos protecionista. No primeiro caso, consolida-se um país continente chamado América do Norte, com o Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (Nafta); no segundo, após marchas e contramarchas que se arrastaram por sete anos e três meses, concluiu-se a Rodada Uruguai do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio).
O setor citrícola brasileiro, responsável por carrear divisas próximas do US$ 1 bilhão/ano, é afetado pelos dois acordos, uma vez que é eminentemente exportador e muito vulnerável às decisões e negociações destes tratados comerciais.
Para o setor citrícola é muito cedo ainda para se configurar as possíveis vantagens ou desvantagens brasileiras frente ao Nafta e à Rodada Uruguai do Gatt e de que formados acordos afetariam a sua hegemonia internacional, mas é possível fazer algumas incursões baseadas nos seus termos e cláusulas.
1. O efeito Nafta
Analistas de mercado consideram que nesta década apenas três países, em escala competitiva, terão condições de suprir, com produção própria, a demanda internacional de suco cítrico: Brasil, EUA e México.
A primeira ameaça vem do México. Como os EUA são o 2.º produtor mundial (após o Brasil), mas importa suco brasileiro (ao longo da década de 80 foram os maiores importadores) e como a entrada de suco de qualquer país nos EUA representa uma competição à produção americana, o produto sofre uma taxação de US$ 492/t métrica.
Neste ponto o setor citrícola brasileiro pode ser prejudicado, pois os EUA também importam suco do México. O Nafta prevê a eliminação total da tarifa norte-americana para o suco de laranja do México em 15 anos.
É preciso considerar porém que o impacto gerado pela substituição de exportações brasileiras pelas do México será mínimo, no curto prazo, em função das condições restritivas de acesso ao mercado dos EUA. Espera-se dos norte-americanos uma postura cautelosa e defensiva nas negociações que envolverem setores economicamente sensíveis nos EUA, como é o caso do suco da laranja.
Atualmente a produção total do México se aproxima de 5% da produção brasileira. O professor Orlando M. da Silva (Universidade Federal de Viçosa, MG) em estudo recente ("Acordo Norte-Americano de Livre Comércio e seu Efeito no Mercado Internacional de Suco de Laranja") analisou os possíveis efeitos de expansão do suco produzido no México com a implantação do Nafta e as consequências para os fluxos e preços do suco concentrado congelado do Brasil e EUA nos principais mercados importadores.
Realizou inúmeras simulações para verificar os efeitos de alterações nas políticas comerciais, como eliminação de tarifa norte-americana para o suco de laranja do México e também a eliminação total das tarifas de mercado. Conclui: "em todas as simulações, por maiores que fossem as variações porcentuais considerando-se o México, o efeito sobre os fluxos e preços do Brasil e dos EUA é pequeno quando comparado à parcela de mercado desses países. Mesmo se o México utilizar toda a sua capacidade de esmagamento (600 mil t de frutas em três meses) para a produção de suco de laranja concentrado congelado, o volume a ser obtido (em torno de 60 mil t métricas) corresponderia a menos de 10% da produção norte-americana e 7% das exportações brasileiras".
O perigo mora nos Estados Unidos. Pesquisa recente (1993) desenvolvida por três pesquisadores da Universidade da Flórida ("Long-Run Florida Processed Orange Outlook 1993-94 Through 2002-03"), conclui que na safra 96/97, os EUA estariam alcançando um equilíbrio na produção e consumo domésticos por suco cítrico e que, na virada da década, gerariam excedentes exportáveis aumentando a competivividade com outros países produtores, principalmente o Brasil.
Algumas estatísticas ilustram a ameaça norte-americanan produção de citros e de sucos. A área plantada na Flórida que em 1986 era de 188,7 mil hectares salta par 246,3 mil hectares em 1992, registrando um crescimento ao redor de 30% em apenas seis anos. O número de árvores pula de 43,5 milhões para 72,8 milhões, no mesmo período (evolução de 67,3%), e a densidade por hectare (número de plantas/hectare) passa de 230 em 1986 para 295 em 1992.
Na Flórida, com sistemas de produção mais avançados (quase 90% da área plantada com citros é irrigada) e com o plantio adensado, a expectativa é dce crescimento no rendimento cultural, quando os plantios recentes começarem a produzir. Em 1992, cerca de 32% (23,2 milhões de pés) tinham menos de dois anos de plantio e 23,4% (17,1 milhões de pés) variavam entre três a cinco anos, ou seja, cerca de 55% dos pomares da Flórida, ou ainda não estavam produzindo ou estavam em início de produção.
Portanto num primeiro momento as vantagens mexicanas, mesmo com o relaxamento gradativo das barreiras tarifárias, não são tão assustadoras; o mais preocupante é a recuperação da produção da Flórida e o equilíbrio na oferta e demanda doméstica de um país que, ainda hoje, é um grande importador do Brasil.
2. O efeito da rodada Uruguai do Gatt
É muito cedo ainda para se configurar as vantagens brasileiras com o acordo, mas é possível algumas incursões otimistas que contrabalançam as esperadas desvantagens do Nafta.
Aparentemente, sobram algumas vantagens para o suco cítrico brasileiro. O Gatt reza que a União Européía concorda em reduzir em 20% a tarifa de importação do suco de laranja concentrado, o que significa que a tarifa atual de 19% sobre o valor do produto entregue no Porto, se retrairá para 15,2%. É interessante registrar que a União Européia é atualmente responsável por cerca de 55% do total das exportações brasileiras de suco cítrico concentrado.
Já os Estados Unidos (importam cerca de 30% do suco brasileiro) e o Japão aceitam em conceder um corte de 25%, que é o mínimo estabelecido pelo Gatt. Como para entrar nos EUA, o produto tem um valor fixo (é taxado em US$ 492/t), o imposto para o suco concentrado congelado cairia para US$ 418,20/t. No Japão, o imposto de importação será reduzido de 45% para 38,25%.
Levando-se em conta que União Européia, EUA e o Japão são responsáveis por cerca de 90% das exportações brasileiras de suco cítrico concentrado, pode-se deduzir que o setor colherá vantagens no tempo.
No momento é fundamental ajustar-se rápida e agilmente aos movimentos e aos padrões competitivos do setor para a manutenção da hegemonia.
Por estar isolado e desguarnecido contra blocos fechados de países, o esforço estratégico do Brasil em busca de competitividade impõe a constante atenção e a necessidade de captar e de se ajustar, antes dos outros, às revoluções no setor e as tendências de um mercado consumidor em transformação.
Da forma como foram estabelecidos, tanto o Nafta como a Rodada Uruguai do Gatt parecem ser irreversíveis.
Quem tem competência se estabelece; quem, além de competente, é eficiente e eficaz, prevalece e domina. É preciso estar preparado para negociar e pronto para decolar na primeira oportunidade que aparecer. Historicamente, o setor citrícola brasileiro não tem decepcionado. Tem sido um viajante solitário na conflituosa rota internacional, protegida por poderosas barreiras tarifárias e não-tarifárias, impostas pelos blocos econômicos importadores. É a nossa esperança.

EVARISTO MARZABAL NEVES, 52, é professor titular do Departamento de Economia e Sociologia Rural da Escola Superior da Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), coordenador do Cepea (Centro de Pesquisa em Economia Agrícola) e diretor da Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq/USP).

MARCOS FAVA NEVES, 25, é engenheiro agrônomo pela Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz (Esalq/USP) e mestrando em adminisitração de empresas pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP).

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