São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 1994
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Denúncias esquecidas

LUÍS NASSIF

No desespero de tentar salvar seu mandato, o deputado e ex-ministro Aníbal Teixeira invocou, em sua defesa, o depoimento do ex-prefeito de Poços de Caldas, Adnei Pereira de Morais. Invocou em vão.
Adnei notabilizou-se, em 1986, como o primeiro prefeito brasileiro a denunciar o esquema de intermediação de verbas públicas.
Recém-eleito, passou a ser assediado por uma multidão de intermediários. A proposta era a mesma: dispunham-se a obter recursos federais para a cidade, mediante 12% de comissão e o compromisso de adotar, nas licitações correspondentes, editais previamente preparados. Ganhariam na intermediação das verbas e no direcionamento das licitações.
As propostas foram sendo recusadas uma a uma, até que o último intermediário acelerou a decisão de Adnei de denunciar os esquemas. A proposta era de uma arrogância única. "Me informei na cidade, sei que o senhor é honesto e não vai querer levar propina, mas tem que pensar na cidade", começou o intermediário. Adnei tinha três anos de mandato pela frente. "Consigo um dinheiro que a cidade nunca viu, o senhor entra para a história da cidade, seu partido ganha as próximas eleições e, como o financiamento tem três anos de carência, a dívida será paga pelo seu sucessor".
O intermediário foi tocado para fora da prefeitura. Adnei rumou para Brasília onde apresentou suas denúncias. Envolviam os esquemas de liberação de verbas no Ministério do Planejamento, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil e em mais algumas instituições oficiais.
O Ministério do Planejamento, na época, era dirigido pelo economista João Sayad. O ministro não tinha nenhum envolvimento com os esquemas, mas faltou com sua obrigação funcional de apurar as denúncias, dentro do acomodamento que marcou a atuação dos homens públicos no governo Sarney.
Apenas o BB enviou um funcionário a Poços, para recolher mais detalhes da denúncia. Os demais órgãos, calaram-se. Foi aberto um inquérito na Polícia Federal, em Belo Horizonte, que não deu em nada. O resultado concreto das denúncias foi exclusivamente o trancamento de repasses federais para Poços de Caldas.
O episódio mostra o festival de incúria que acometia autoridades brasileiras da época. Demonstra que o esquema de intermediação de verbas era anterior a Aníbal Teixeira. Mas em nenhum momento isenta o ex-ministro de suas atuações futuras.
Raquel Cândido
Quem se condoeu com o aspecto de donzela indefesa exibido pela deputada Raquel Cândido –apontada para cassação pela CPI do Orçamento– que não se iluda.
Até seu nome aparecer como suspeita de desvio de verbas sociais, a deputada infernizava os escalões médios do Inamps, com uma prepotência e uma sede insaciável por verbas. Não havia dia em que não se metesse em confusões, com suas exigências de verbas para a fundação dirigida por sua mãe.
O episódio Raquel Cândido comprova que as apurações sobre malversações de verbas não podem ficar restritas ao universo orçamentário. Tem muito escaninho da União lotado de papéis comprometedores.
BB e agricultura
Uma briga entre o inacreditável presidente do Bancoasil, Alcir Calliari, e o BNDES, impediu que se abrisse a tempo financiamentos para a compra de máquinas agrícolas.
Com a safra aguardando, Calliari declarou-se de mal do presidente do BNDES, e sequer telefonaram-se para resolver o problema que afetava a milhares de agricultores –e a economia brasileira como um todo.
Como Calliari é afilhado por afinidade do presidente Itamar Franco, o ministro Fernando Henrique Cardoso não se sentiu em condições de intervir no processo.

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