São Paulo, quinta-feira, 27 de janeiro de 1994
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Mentalidade empresarial e modernização da sociedade

GERALDO NUNES

O processo histórico que leva o empresariado a adotar uma postura ostensivamente predatória em relação ao nosso mercado interno, num período de profundas transformações dos padrões que regem as relações internacionais, em âmbito planetário, deve ser analisado visando objetivos essencialmente práticos. É urgente que comecemos a elaborar propostas concretas com o objetivo de tentar reverter este quadro.
Em parte, os esquemas corruptos envolvendo parlamentares decorem de um projeto do empresariado de atuar hoje no Legislativo, como ontem atuava no Executivo. Tenham as elites orgânicas preservar o poder de decisões sobre as formas de negociação de processos político-decisórios. Mesmo que quisessem, os demais segmentos que compõem a estrutura da classe da sociedade estão excluídos destas formas de negociação, por não terem know-how de acesso aos canais decisórios.
Este comportamento tem suas raízes nos anos 30, quando inaugura-se a prática de negociação compartimentalizada entre os grupos econômicos e o Estado; uma prática que se tornou autoritária, após a decretação do Estado Novo (1937-1945), quando os partidos e o Congresso foram proscritos.
As elites, em especial o empresariado, preservam e resguardam a sua posição como se ela fosse natural, eterna e sagrada. Esta atitude, onde ações corruptas são apenas um dos recursos mais utilizados e visíveis, acaba criando o que poderíamos chamar de mercado da referencialidade. Com o monopólio deste mercado, terminam por prevalecer os valores políticos, econômicos e sociais das elites.
Trata-se, portanto, de consolidar um espaço institucional onde todas as referencialidades e representações sociais características dos vários segmentos que constituem a estrutura de classes da sociedade possam interagir sem que nenhuma tenha, por definição, maior valor do que as demais.
Por enquanto, o discurso empresarial ainda controla o poder de estabelecer o que é bom e o que é ruim, o que é justo e injusto. Em que pese a institucionalização democrática, ainda estamos longe de um cenário onde todas as representações sociais e suas referências possam interagir sem que nenhuma tenha, por definição, maior valor que as demais.
É necessário que a coisa pública deixe de ser um negócio privado das elites orgânicas que administram o país, pois, só assim me parece que poderemos discutir e elaborar programas estratégicos para o Brasil compatíveis com a dinâmica da nova configuração do mundo dos negócios internacionais.
Esta é a questão fundamental do nosso projeto de pesquisa: o que fazer, enfim, para evitar que o discurso do empresariado possa comprometer um efetivo processo de modernização da sociedade e o seu objetivo de melhorar a qualidade de vida da população.
O comportamento dos empresários foi forjado em um momento histórico, bem diferente desta configuração multipolar em que estamos ingressando e onde a noção de progresso não mais se define apenas em função de parâmetros de caráter puramente linear. O raciocínio do empresariado, por conta de suas determinações de caráter ideológico, se mantém, apesar da incorporação de novas tecnologias, aprisionado e enraizado em parâmetros, funcionando segundo mecanismos lineares e essencialmente maniqueístas.
Tem sido difícil para o empresariado aceitar negociações, onde referências de outros segmentos sejam avaliadas e acatadas, com os mesmos critérios de avaliação social do seu grupo.
A verdade é que o discurso do empresariado ainda é prisioneiro do paradigma positivista, tecnocêntrico e racionalista. Ele acredita em um progresso linear, nas verdades absolutas e no planejamento racional de ordens sociais com padronização do conhecimento, da tecnologia e, consequentemente, da produção.
Assim, analisando o discurso do empresariado e observando como se realiza a sua ação política, queremos mostrar a sua incapacidade e resistência em adotar um comportamento mais flexível que pudesse ser confrontado naturalmente com as referências de outros segmentos, sem que isso lhe pareça algo ameaçador.

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