São Paulo, quinta-feira, 27 de janeiro de 1994
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'As Portas da Justiça' fica atual com CPI

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

A luz de alguns acontecimentos recentes, "As Portas da Justiça" parece hoje um filme bem mais claro e atual do que quando foi exibido nos cinemas brasileiros em 1992 (dois anos depois de seu lançamento na Itália).
No Brasil, vários acontecimentos se cruzam. O primeiro, o assassinato de Daniella Perez, que suscitou uma reação histérica das mesmas proporções que os assassinatos cometidos por um funcionário fascista no filme de Amelio. Em seguida, vêm os casos de José Carlos Alves dos Santos (suspeito de um crime semelhante) e a consequente CPI do Orçamento.
Como esses casos se conectam? No filme (baseado em romance do sicialiano Leonardo Sciascia), existe o sentimento generalizado de que o criminoso, Tommaso, deve ser condenado à pena de morte. Gian Maria Volonté faz o juiz De Francesco. Ele entende que a pena de morte serve ao Estado, mas não ao cidadão. Para livrar, ou pelo menos adiar o veredito, torna-se quase advogado de defesa, em um caso onde não parece haver defesa.
É na inquirição das testemunhas que, pouco a pouco, a compreensão das coisas se alarga. Por trás (ou mesmo ao lado) dos crimes de Tommaso existem uma série de circunstâncias que, se não o explicam, em todo caso servem para perceber o quanto a idéia de pena capital é fundada sobre a incompreensão do mundo e, mais, sobre um desejo de incompreensão do mundo (fechar os olhos ao conjunto; observar o detalhe; exorcizar o demônio próximo para pacificar as aparências).
Amelio retoma aqui a tradição do filme político italiano, dando-lhe um quê de passividade, sem abdicar daquilo que o tornou forte: buscar a verdade é uma obrigação, não uma virtude.
Se o filme tem seus altos e baixos (os melhores momentos são as cenas de tribunal, de longe), a figura do juiz De Francesco se impõe e dá o tom: o filme adquiriu uma atualidade para qualquer espectador brasileiro que não será exagero qualificar de dramática.

Vídeo: As Portas da Justiça
Produção: Itália, 1990
Direção: Gianni Amelio
Elenco: Gian Maria Volonté, Ennio Fantastichini
Distribuição: Top Tape (tel. 011/ 257-6300)

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