São Paulo, quinta-feira, 27 de janeiro de 1994
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Chen Kaige filma exuberância 'natural'

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Há, em geral, duas maneiras de filmes "exóticos", produzidos fora dos eixos ocidentais, conquistarem a crítica, os festivais e, por vezes, também os mercados europeu e americano. Ou são representativos de uma autoria muito forte e original, como no caso do iraniano Abbas Kiarostami, ou apostam numa beleza exterior ao cinema, uma "beleza natural", da paisagem por exemplo, para facilitar o reconhecimento de um público estrangeiro.
A maioria dos filmes produzidos na China comunista –ao contrário da produção de Hong Kong, marcada pela originalidade extravagante de cineastas como John Woo– seguem essa segunda via. Não há grandes achados cinematográficos. A direção é, em geral, eficiente e convencional, o que não significa que os filmes sejam a priori bons ou ruins, mas que a marca principal passa a ser a "beleza" das imagens. De "Sorgo Vermelho" e "Amor e Sedução", de Zhang Yimou, a "Adeus Minha Concubina" e "A Vida Sobre um Fio", de Chen Kaige, a "extravagância autoral" se reduz à exuberância estética.
No caso de "A Vida Sobre um Fio" (1990), a vantagem é que a opção estética por essa "beleza natural" ganha um sentido dentro da própria narrativa. Os personagens são cegos confrontados com a grandiosidade da paisagem. Se, por um lado, esse confronto funciona dentro da estética de Kaige como uma forma de continuar exaltando a beleza exterior, por outro, essa exuberância ganha um papel dramático e existencial.
O filme conta a história de um cego, tocador de banjo, que recebe, quando pequeno, de seu mestre agonizante, uma fórmula que lhe permitirá enxergar no dia em que arrebentar a milésima corda do instrumento. Toda a vida o cego espera e agora, 60 anos depois, acompanhado por um jovem discípulo também cego, o tocador de banjo está prestes a arrebentar a milésima corda.
Todo o filme lida com o abismo, a mais completa falta de comunicação entre a experiência interior ("Sinto algo aqui dentro como se fosse explodir. Será que o mundo que verei é o mesmo que está em mim?", diz o cego) e a monumentalidade dessa imagem, da paisagem e da fotografia. O problema é a revelação final, a moral do filme, quando o cego descobre o verdadeiro sentido da fórmula que recebeu do mestre agonizante. E o espectador percebe ao mesmo tempo que se tratava de um velho clichê travestido de sabedoria oriental: a idéia de que cegos são todos os homens, que fazem a guerra, destruindo uns aos outros.

Vídeo: A Vida Sobre um Fio
Diretor: Chen Kaige
Elenco: Liu Zhongyuan, Huang Lei, Xu Qing
Distribuidora: Concorde Vídeo, tel.011/857-7553

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