São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 1994
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"Muitos morreram nos meus braços"

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Naquela noite, quando tirou o uniforme no quartel, o então capitão Hélio Caldas encontrou nos bolsos vários bilhetes. Eram rabiscos de pessoas se despedindo e deixando recados para as famílias. Sobre o telhado do Joelma, onde Caldas estava, 64 pessoas morreram. Os que ainda viviam, se agarravam nele.
"Não tive coragem de ler os bilhetes" conta Caldas, hoje com 59 anos e coronel da reserva. "Passei muitas noites sem dormir." A cidade já tinha saudado Caldas como herói dois anos antes quando saltou de um helicóptero sobre o teto do Andraus. No Joelma, as pessoas choravam e rezavam na rua quando ele arrastou-se por uma corda esticada de um prédio vizinho ao telhado em chamas, a 70 metros de altura.
Humilde, ele diz que não há heróis num incêndio que mata 188 pessoas. "Saímos arrasados de lá. Eu não queria mais ser bombeiro. O salvamento foi um fracasso."
Caldas comandava o Serviço de Busca e Salvamento e chegou ao Joelma à frente de 80 homens. Foi o último a sair do telhado depois de contar 64 corpos e conferir se estavam mesmo mortos. "Muitos morreram nos meus braços." Do telhado, 81 pessoas saíram com vida.
Enquanto parte dos bombeiros subiam por uma das laterais do prédio, Caldas tentava chegar ao telhado, onde quase 150 pessoas estavam presas.
Içado por um helicóptero, tentou várias vezes saltar sobre o estreito teto do prédio, mas os pilotos não conseguiam se aproximar. "Jogávamos toalhas molhadas sobre os feridos", conta.
Foi um dos seus alunos, o então segundo-sargento Augusto Carlos Cassaniga, que primeiro chegou ao teto. Pendurado em um helicóptero, ele despencou de quatro metros de altura, afundou o telhado de fibras amianto e quebrou o tornozelo. Cassaniga amarrou a corda na qual Caldas atravessou.
"A idéia era retirar as pessoas pela corda usando uma polia e uma cadeira de lona. Mas elas estavam tão queimadas que gritavam de dor." Nesse tempo, um grande helicóptero da FAB pousou no heliporto da Câmara Municipal e transportou para o telhado uma equipe de seis oficiais e soldados. Foi nesse helicóptero, que pairava a poucos centímetros do telhado, que os feridos foram sendo transportados.
"Eram cenas de desespero", conta Caldas. "Um rapaz carregando uma jovem nos braços pedia que eu a colocasse no helicóptero, mas ela já estava morta. O rapaz me deu um soco no rosto. Outro tomou o walkie-talkie de minhas mãos e passou a gritar ordens aos bombeiros. Soube depois que sua namorada tinha morrido nos andares debaixo."

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