São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 1994
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'A sola do sapato derretia no telhado'

Cordeiro viu menina de 15 anos pular

VINICIUS TORRES FREIRE
DA REPORTAGEM LOCAL

Mauro Cordeiro chegou às 8h40 na sua sala do 21º andar do Joelma. Foi "avisado" do incêndio quando, ao colocar o paletó cinza na cadeira, espiou a janela e viu rolos de fumaça preta subindo. Administrava um setor do Crefisul e saiu de helicóptero do edifício. Teve apenas uma luxação no pé.
Com 39 anos e dois filhos na época, Cordeiro diz que escapou e conseguiu prestar ajuda por causa das aulas de segurança que tinha recebido em outra empresa, por ter mantido a calma e por sorte. "Avisei o pessoal do andar e pedi calma. Lembrei que no incêndio do Andraus muita gente se machucou porque foi atropelada", diz. O começo de sua história naquele dia é comum: tentou descer pelas escadas, mas na altura do 16º andar a fumaça e o fogo impediam a passagem.
Como muitos dos que foram ao topo, Cordeiro poderia optar entre a parte do edifício que dava para a avenida 9 de Julho ou para a praça da Bandeira, onde houve menos mortes. Foi para o segundo.
Cordeiro e alguns outros se refugiaram das labaredas e da fumaça se agachando entre o telhado e a laje do edifício, correndo aí o risco de serem sufocados ou torrados na chapa quente em que se transformara o teto do prédio. "A sola do meu sapato derretia, tive que me apoiar em alguns cacos de telha. Quando levantava a cabeça, via horrores. Quem não se abrigou desmaiava e queimava. Vi uma office-girl de 15 anos pular usando um guarda-chuva como paraquedas."
Quando o fogo amainou, pelo meio-dia, as pessoas saíram dos abrigos. "Muitas estavam perdendo o controle e espumavam. Tentava acalmá-los, fazia respiração boca-a-boca e massagens. Quando o helicóptero chegou, lembrei de novo do Andraus –todo mundo queria fugir daquele inferno e podia derrubar o aparelho. Tive até que dar uns tapas em alguns."
O administrador diz que não ficou com traumas. Foi um dos últimos a serem resgatados e ficou conhecido na época como "o homem do terno cinza" –segundo relatos de quem ajudou. "Quando você se preocupa com os outros o problema parece que não é com você." (Vinicius Torres Freire)

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