São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 1994
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Lei antiarmas é ineficaz e ilegal, dizem especialistas

OLIVIA SILVA TELLES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O decreto baixado há duas semanas pelo prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, proibindo a fabricação e o comércio de armas de fogo e de munições na cidade, é criticado por especialistas que consideram a medida ilegal e contestam a sua eficácia no combate à violência.
Para o professor de direito penal da USP (Universidade de São Paulo) Miguel Reale Júnior, o decreto viola a Constituição porque proíbe o livre exercício de atividade econômica. Reale considera que a matéria não pode ser objeto de legislação municipal, devendo ser regulada por lei federal. Ele sustenta o cabimento de mandado de segurança contra a aplicação das sanções previstas no decreto.
Para dar cumprimento ao decreto, o secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, Rodrigo de Pádua Lopes, promoveu a cassação das licenças para o comércio de armas de 23 empresas. O decreto prevê também o recolhimento dos "alvarás de licença para estabelecimento".
O procurador de Justiça do Estado de São Paulo Luis Antonio Marrey defende a tomada de providências para restringir o uso de armas, mas diz ter "dúvidas sobre se um prefeito pode fazer essa proibição". Ele afirma que boa parte das armas usadas para a prática de crimes é obtida ilegalmente, o que tornaria a medida "inócua" para combater a violência, caso seja adotada isoladamente.
A lei federal sobre esta matéria é um regulamento, aprovado pelo decreto nº 55.649, posto em vigor durante o regime militar, em 1965, e conhecido por "R-105", de autoria do Ministério do Exército. O regulamento funda-se no artigo 8º, inciso VII, da Constituição Federal de 67, repetido no artigo 21, inciso VI, da Constituição de 88, que fixa a competência da União para autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico.
O regulamento determina que é atribuição privativa do Ministériodo Exército a decisão sobre os produtos que devem ser considerados "controlados", como as armas de fogo e a munição. Ao Ministério do Exército cabe também a decisão sobre o registro das empresas fabricantes e comerciantes de armas.
Para que uma empresa possa produzir e vender artigos controlados deve requerer um "Título de Registro" junto ao Ministério do Exército, que deve levar em conta "os interesses do país" para atender ou não o pedido. O pedido deve ser instruído com documentos detalhados sobre a empresa, suas atividades, além de atestado de idoneidade e compromisso de cumprir as diretrizes do regulamento.
Por delegação da União, a tarefa de expedir registros e conceder licenças de porte de arma de fogo cabe às Polícias Civis dos Estados. Cada cidadão pode ser proprietário de, no máximo, duas armas "de defesa", duas "de caça" e duas "de esporte". A loja vendedora só pode entregar a arma depois da expedição do registro, que dá direito à posse domiciliar da arma. A licença para portar a arma, que tem validade de um ano, depende da apresentação de "motivo relevante e imperioso", que será avaliado pelo delegado de polícia.
Segundo o delegado titular da Divisão de Produtos Controlados, José Leonardo Pedroso, em 1993 foram expedidos 33.792 registros e 54.285 licenças de porte de arma na cidade de São Paulo. "Nesse total incluem-se as armas compradas por policiais, por empresas de segurança, por vigilantes e por integrantes da Guarda Civil Metropolitana, além de armas que não são novas e sim transferidas de uma para outra pessoa", afirma.
O professor da Academia de Polícia de São Paulo Roberto Genofre defende uma política restritiva em relação à concessão de licença de porte de arma. Ele afirma que "a população não deve se armar porque as pessoas não conhecem o manejo das armas e não estão preparadas psicologicamente para o confronto".

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